O Hospital de Medicina Especializada Ltda. (Santa Rosa) em Cuiabá foi condenado em Primeira Instância a pagar R$ 40 mil a título de danos morais à família de um paciente, menor de idade, internado por 17 dias em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em decorrência de erro em administração medicamentosa por parte de enfermeira. O hospital buscou em Segunda Instância reformar a decisão, porém, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou os pedidos contidos na Apelação nº 59579/2009, por entender estar presente o dano moral ocorrido com a negligência da funcionária do apelante, com base no Código de Defesa do Consumidor.
A manutenção da indenização foi julgada à unanimidade em julgamento composto pelos desembargadores Juracy Persiani (relator), Guiomar Teodoro Borges (revisor) e José Ferreira Leite (vogal). O apelante pretendeu a minoração do montante para R$10 mil, sustentando enriquecimento ilícito dos requerentes, que também buscaram apelar para aumentar o valor da condenação, com base na confissão de culpa da enfermeira e na responsabilidade objetiva do hospital. O desembargador constatou nos autos ter havido negligência no procedimento, fator que desautorizaria a redução do valor da indenização por dano moral, pois este poderia ter sido evitado. O magistrado destacou que o valor determinado pelo Juízo original não ensejaria enriquecimento ilícito.
Consta dos autos, que a enfermeira-chefe do hospital apelante aplicou diretamente na artéria medicamento inadequado para esse meio e as consequências foram constatadas pela médica pediatra responsável, como palidez da mão direita e antebraço, além de dor, espasmo arterial com perda de circulação de sangue e cianose (arroxeamento) no membro afetado do paciente. Ainda conforme o processo, a criança de três anos estava internada há, aproximadamente, uma semana para tratamento de uma broncopneumonia. Em razão do erro na aplicação do medicamento, foi levada a UTI onde permaneceu por 17 dias.
O desembargador Juracy Persiani destacou em seu voto que o fato não gerou seqüelas na criança e que os pais não pugnaram por indenização por danos materiais. “Por outro lado, os argumentos de que teria sido uma fatalidade, um evento previsível no meio médico, e que teria agido de modo a recompor a integridade da vítima, não socorrem as pretensões recursais do Hospital. Se o evento era previsível, com maior razão havia ter sido evitado”, alertou o magistrado, destacando ainda que o caso em questão deveria ser analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente do artigo 14, que estabelece: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (Fonte: TJMT).
Leia o Acórdão na íntegra:
Indenização. Dano moral. Serviço hospitalar. Erro na ministração de medicamento.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
SEXTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 59579/2009 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA CAPITAL
APELANTES: JOCINEIDE MARIA DE ALMEIDA E OUTRO(s)
APELANTE: HOSPITAL DE MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA. - "HOSPITAL SANTA ROSA"
APELADO: HOSPITAL DE MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA. - "HOSPITAL SANTA ROSA"
APELADA: JOCINEIDE MARIA DE ALMEIDA
Número do Protocolo: 59579/2009
Data de Julgamento: 23-9-2009
EMENTA
APELAÇÕES CÍVEIS - INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - SERVIÇO HOSPITALAR - ERRO NA MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANO MORAL PURO - DEVER DE INDENIZAR. VALOR RAZOÁVEL - PRETENDIDA MAJORAÇÃO EM RAZÃO DE FATOR MATERIAL - IMPOSSIBILIDADE - PRETENDIDA MINORAÇÃO POR SE TRATAR DE ERRO PREVISÍVEL - FATOR QUE AUTORIZARIA A MAJORAÇÃO, NÃO A REDUÇÃO - ARGUMENTOS RECURSAIS QUE NÃO AUTORIZAM MODIFICÁ-LO - RECURSOS DESPROVIDOS.
A alegação de que o ofensor sequer assumira os custos financeiros do erro não é válida, pois a reparação do dano moral não cobre custos financeiros.
Dentre os critérios que norteiam o arbitramento da reparação do dano moral não figura o prejuízo material.
O argumento de o erro que causou mal à vítima ser previsível revela negligência do hospital no trato com seus clientes e, portanto, não autoriza a redução do valor da indenização por dano moral, pois com maior razão havia ter sido evitado.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI
Egrégia Câmara:
Recursos de apelação de condenação do Hospital de Medicina Especializada Ltda. em R$40.000,00 (quarenta mil reais), por dano moral, decorrente de falha na prestação de serviço hospitalar, em ação de indenização por dano moral (Proc. 562/2007) (fls.176/182).
Os apelantes/autores Jocineide Maria de Almeida e Outros pugnam pela majoração da condenação (fls.186/192).
O apelante Hospital de Medicina Especializada Ltda. argúi, preliminarmente, a ilegitimidade ativa de Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida.
No mérito, pleiteia a redução da condenação para R$10.000,00 (dez mil reais) (fls. 194/203).
As contrarrazões foram apresentadas (fls. 210/219 e 221/227).
O r. parecer da lavra do Dr. José Zuqueti, Procurador de Justiça, é pelo desprovimento dos recursos (fls. 236/239).
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
A SRA. DRA. MARIA ÂNGELA V. GADELHA DE SOUZA
Ratifico o parecer escrito.
V O T O (PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE ATIVA)
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Os apelados Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida, mãe e avós do menor Vinícius Almeida Assunção, também apelado, propuseram a ação de indenização por dano moral contra o apelante Hospital de Medicina Especializada Ltda., em decorrência dá má prestação de serviços médicos ao menor que se encontrava internado e, quando prestes a receber alta, foi medicado erroneamente, o que ocasionou complicações, sendo encaminhado para a UTI imediatamente, onde permaneceu por 17 dias.
O apelante, em contestação, arguiu preliminarmente a ilegitimidade dos ora apelados.
A matéria foi apreciada por ocasião do despacho saneador:
"O fundamento de reparação de dano moral é a violação de direitos personalíssimos e a integridade psíquica encontra-se no rol desses direitos, sendo a dor e o sofrimento agressão à psique da pessoa. Assim, as pessoas que mantêm vínculos firmes de amor ou de afeição com o ofendido são partes legítimas para interpor ação indenizatória por dano moral.
Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da mãe e dos avós maternos do ofendido." (fl. 137)
Da referida decisão não houve recurso, portanto, preclusa a matéria.
Nesse sentido a jurisprudência:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. RAZÕES DISSOCIADAS. SÚMULA 182 DO STJ. ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. QUESTÃO PRECLUSA. INOVAÇÃO. DESCABIMENTO.
1. A decisão agravada não reconheceu a ilegitimidade ativa do agravante. Quem o fez foi o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao julgar a apelação cível, tanto que determinou a emenda à inicial.
Nesse contexto, se o sindicato se considerava parte legítima, deveria ter manifestado recurso especial ou extraordinário. Contudo, não o fez, pelo que a questão da sua legitimidade, nos presentes autos, encontra-se preclusa.
2. Hipótese em que o recurso especial, na verdade, era a possibilidade de emenda à inicial, uma vez reconhecida a ilegitimidade ativa após a citação do réu, matéria da qual não cuidou sequer uma linha do agravo regimental.
Incidência da Súmula 182 do STJ.
3. Se se entendia parte legítima, o sindicato deveria ter interposto recurso no momento adequado e não dado azo à aplicação do velho brocardo latino segundo o qual dormientibus non sucurrit jus. Além disso, o reconhecimento da legitimidade do sindicato, no âmbito do recurso especial interposto pela FUNASA, importaria julgamento ultra petita, pois a questão não era objeto da controvérsia recursal, além de reformatio in pejus, porquanto consistiria decisão contrária ao próprio recorrente.
4. A discussão no agravo regimental é restrita às questões tratadas no recurso especial, não se admitindo inovação nessa fase recursal.
5. Agravo regimental não conhecido." (AgRg no REsp 975.761/RN, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, julgado em 15-4-2008, DJe 28-4-2008, in www.stj.jus.br).
"APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE COBRANÇA. DANOS MATERIAIS EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA MANTIDA.
- Preliminar de ilegitimidade ativa suscitada na contestação afastada por ocasião da audiência, restando irrecorrida a decisão. Matéria preclusa.
- Agravo retido. Desprovimento.
(...) Agravo retido e apelo desprovidos." (Apelação Cível nº 70023510613; 12ª C. Cível; Rel. Des. Dálvio Leite Dias Teixeira; Julg. 04-6-2009, DJ 17-6-2009, www.tjrs.jus.br)
Não conheço da preliminar.
V O T O (MÉRITO)
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Os autores, ora apelantes, obtiveram a condenação do Hospital de Medicina Especializada Ltda. - Hospital Santa Rosa, em quarenta mil reais, por erro de enfermeira-chefe ao ministrar medicamento em um deles, menor. A enfermeira aplicou diretamente na artéria medicamento inadequado para esse meio e as consequências foram constatadas pela médica responsável, pediatra Adriana M. Monteiro.
A criança estava internada há sete dias para tratamento de broncopneumonia. Em razão do erro na aplicação do medicamento, foi levada a UTI onde permaneceu por dezessete dias.
Não há questionamento sobre a responsabilidade do hospital.
Os apelantes Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida, mãe e avós do menor Vinícius Almeida Assunção, também apelante, pretendem a majoração da condenação e o Hospital de Medicina Especializada Ltda., a minoração.
A lide envolve matéria disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 14), prestação de serviços, onde a responsabilidade é objetiva.
A MM.ª Juíza apreciou detidamente as provas para o arbitramento da indenização:
"A despeito da caracterização da responsabilidade objetiva e da presunção absoluta da culpa do empregador em relação aos atos praticados por seus empregados, observa-se no caso em apreço que houve, inquestionavelmente, imperícia por parte do corpo de enfermagem, haja vista que o medicamento endovenoso que deveria ser aplicado na veia foi aplicado diretamente na artéria do paciente.
É o que se depreende do relatório de evolução médica e do adendo de internação, juntados às fls. 24/26, nos quais os médicos responsáveis pelo menor consignaram o seguinte:
'16/04/06 20:40
Sou chamada p/ avaliar pcte que apresentou dor em MSD após administração de cloritromicina injetável.
Paciente c/ palidez de mão direita e antebraço, c/ (...), cianose do membro, c/ dor intensa no membro. Dor intensa à palpação, temp. do (...), pulso radial ø.
Discutido caso c/ plantonista da UCO, pois o mesmo é Cir. Vascular.
Solicitada vaga em UTI ped. e contato c/ cirurg. Vascular de plantão. (...)
16/04/06 - 21:00h. Plantão da UTI Cardiológica do HSR. (...)
'Às 23:00 hs do dia 16/03/2006 deu entrada na UTI Pediátrica do Hosp. Santa Rosa, o pré escolar V. A. A., 3 anos de idade, proveniente do Apartamento deste Hospital, acompanhado pelo Pai e pela Mãe e pela Dra. Adriana (pneumologista). O paciente estava internado neste Hospital para tratamento de Pneumonia e Asma há +/- 5 dias. Há poucas horas quando da aplicação de um dos medicamentos anteriormente prescrito houve acidente ao puncionar via de acesso para aplicação destes medicamentos. Foi puncionado artéria e injetado o medicamento, quando ocorreu possivelmente espasmo arterial com imediata perda de circulação de sangue e consequente cianose no membro afetado. Ao adentrar nesta unidade o menor estava choroso lúcido, contactando bem com o meio ambiente.' (SCI 0 Adendo de Internação - fls. 26).
Conquanto a preposta do requerido tenha afirmado, em depoimento pessoal prestado em audiência, que a medicação foi injetada por meio de equipamento de administração puncionado, e que a própria movimentação do braço da criança pode ter feito a agulha que estava na veia ultrapassá-la e atingir a artéria, ainda assim não se pode atribuir culpa exclusiva ou concorrente ao segundo requerente, mesmo porque compete ao corpo de enfermagem do hospital o dever de cuidado e acompanhamento de seus pacientes, observando toda e qualquer irregularidade que possa colocar em risco a sua saúde.
(...)
Comprovado o defeito na prestação dos serviços por parte do requerido (conduta lesiva), verifica-se que o dano e o nexo de causalidade também estão presentes, uma vez que a falha do corpo de enfermagem levou ao agravamento do quadro clínico do paciente, que estava prestes a receber alta quando da aplicação errônea do medicamento, sendo necessária a sua transferência para a UTI, o que já demonstra a gravidade da situação, independentemente de ter ou não resultado sequelas na criança.
A angústia a que foram submetidos os demais requerentes, mãe e avós do menor, também é inquestionável, decorrendo da própria situação desesperadora a que foram submetidos.
(...)
O valor da indenização, no entanto, deve ser fixado com prudência, para que não constitua fonte de enriquecimento ilícito. Contudo, deve ser suficiente para coibir a prática geradora de constrangimentos. Sopesando as circunstâncias do caso, entendo ser suficiente e pedagógico o valor de R$ 40.000,00 (...), mesmo porque depois que os médicos foram contatados, o menor foi imediatamente transferido a UTI, sendo-lhe prestados os cuidados necessários, não restando nenhuma sequela física importante." (fls. 179/181).
Quanto ao valor arbitrado pela MM.ª Juíza, na reparação do dano moral não há indenização propriamente dita, mas, a compensação ou satisfação moral ao ofendido e, paralelamente, a reprovação do ato do ofensor, de modo a desestimulá-lo a reincidir.
É consagrado o entendimento de que "cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral" (in "Programa de Responsabilidade Civil", Sérgio Cavalieri Filho, 2ª ed., Malheiros, 2000, p. 80).
O arbitramento deve pautar-se por critérios que não impliquem enriquecimento do lesado, nem ser tão ínfimo que se torne irrisório para o ofensor.
A indenização foi fixada em quarenta mil reais. O erro na administração do medicamento não deixou sequelas no paciente, portanto, o valor atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Os argumentos recursais dos autores não autorizam a majoração pretendida. Na realidade, não fazem mais do que transcrever os fundamentos da petição inicial e argumentar que o réu teria confessado a culpa e não se dignara sequer em assumir os custos financeiros do erro.
Todavia, os autores não pleitearam eventual prejuízo material e a reparação do dano moral não cobre custos financeiros. Dentre os critérios que norteiam o arbitramento da reparação do dano moral não figura o prejuízo material.
Por outro lado, os argumentos de que teria sido uma fatalidade, um evento previsível no meio médico, e que teria agido de modo a recompor a integridade da vítima, não socorrem as pretensões recursais do Hospital.
Se o evento era previsível, com maior razão havia ter sido evitado. Se não o foi, tanto que a criança passou por momentos críticos, esse fator demonstra a negligência do hospital no trato com os seus clientes e impede que se beneficie o causador do mal.
As prontas providências para a pronta recuperação da vítima foram consideradas pela MM.ª Juíza e de forma a não condenar em valor superior ao estabelecido.
A redação da sentença é clara nesse particular: "entendo ser suficiente e pedagógico o valor de R$40.000,00 (...), mesmo porque depois que os médicos foram contatados, o menor foi imediatamente transferido a UTI, sendo-lhe prestados os cuidados necessários, não restando nenhuma sequela física importante." (fl. 181).
Nego provimento aos recursos.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEXTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ FERREIRA LEITE, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JURACY PERSIANI (Relator), DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (Revisor) e DES. JOSÉ FERREIRA LEITE (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECERAM DA PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DESPROVERAM AMBOS OS RECURSOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 23 de setembro de 2009.
DESEMBARGADOR JOSÉ FERREIRA LEITE - PRESIDENTE DA SEXTA CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR JURACY PERSIANI - RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 06/10/09
A manutenção da indenização foi julgada à unanimidade em julgamento composto pelos desembargadores Juracy Persiani (relator), Guiomar Teodoro Borges (revisor) e José Ferreira Leite (vogal). O apelante pretendeu a minoração do montante para R$10 mil, sustentando enriquecimento ilícito dos requerentes, que também buscaram apelar para aumentar o valor da condenação, com base na confissão de culpa da enfermeira e na responsabilidade objetiva do hospital. O desembargador constatou nos autos ter havido negligência no procedimento, fator que desautorizaria a redução do valor da indenização por dano moral, pois este poderia ter sido evitado. O magistrado destacou que o valor determinado pelo Juízo original não ensejaria enriquecimento ilícito.
Consta dos autos, que a enfermeira-chefe do hospital apelante aplicou diretamente na artéria medicamento inadequado para esse meio e as consequências foram constatadas pela médica pediatra responsável, como palidez da mão direita e antebraço, além de dor, espasmo arterial com perda de circulação de sangue e cianose (arroxeamento) no membro afetado do paciente. Ainda conforme o processo, a criança de três anos estava internada há, aproximadamente, uma semana para tratamento de uma broncopneumonia. Em razão do erro na aplicação do medicamento, foi levada a UTI onde permaneceu por 17 dias.
O desembargador Juracy Persiani destacou em seu voto que o fato não gerou seqüelas na criança e que os pais não pugnaram por indenização por danos materiais. “Por outro lado, os argumentos de que teria sido uma fatalidade, um evento previsível no meio médico, e que teria agido de modo a recompor a integridade da vítima, não socorrem as pretensões recursais do Hospital. Se o evento era previsível, com maior razão havia ter sido evitado”, alertou o magistrado, destacando ainda que o caso em questão deveria ser analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente do artigo 14, que estabelece: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (Fonte: TJMT).
Leia o Acórdão na íntegra:
Indenização. Dano moral. Serviço hospitalar. Erro na ministração de medicamento.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
SEXTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 59579/2009 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA CAPITAL
APELANTES: JOCINEIDE MARIA DE ALMEIDA E OUTRO(s)
APELANTE: HOSPITAL DE MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA. - "HOSPITAL SANTA ROSA"
APELADO: HOSPITAL DE MEDICINA ESPECIALIZADA LTDA. - "HOSPITAL SANTA ROSA"
APELADA: JOCINEIDE MARIA DE ALMEIDA
Número do Protocolo: 59579/2009
Data de Julgamento: 23-9-2009
EMENTA
APELAÇÕES CÍVEIS - INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - SERVIÇO HOSPITALAR - ERRO NA MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANO MORAL PURO - DEVER DE INDENIZAR. VALOR RAZOÁVEL - PRETENDIDA MAJORAÇÃO EM RAZÃO DE FATOR MATERIAL - IMPOSSIBILIDADE - PRETENDIDA MINORAÇÃO POR SE TRATAR DE ERRO PREVISÍVEL - FATOR QUE AUTORIZARIA A MAJORAÇÃO, NÃO A REDUÇÃO - ARGUMENTOS RECURSAIS QUE NÃO AUTORIZAM MODIFICÁ-LO - RECURSOS DESPROVIDOS.
A alegação de que o ofensor sequer assumira os custos financeiros do erro não é válida, pois a reparação do dano moral não cobre custos financeiros.
Dentre os critérios que norteiam o arbitramento da reparação do dano moral não figura o prejuízo material.
O argumento de o erro que causou mal à vítima ser previsível revela negligência do hospital no trato com seus clientes e, portanto, não autoriza a redução do valor da indenização por dano moral, pois com maior razão havia ter sido evitado.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI
Egrégia Câmara:
Recursos de apelação de condenação do Hospital de Medicina Especializada Ltda. em R$40.000,00 (quarenta mil reais), por dano moral, decorrente de falha na prestação de serviço hospitalar, em ação de indenização por dano moral (Proc. 562/2007) (fls.176/182).
Os apelantes/autores Jocineide Maria de Almeida e Outros pugnam pela majoração da condenação (fls.186/192).
O apelante Hospital de Medicina Especializada Ltda. argúi, preliminarmente, a ilegitimidade ativa de Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida.
No mérito, pleiteia a redução da condenação para R$10.000,00 (dez mil reais) (fls. 194/203).
As contrarrazões foram apresentadas (fls. 210/219 e 221/227).
O r. parecer da lavra do Dr. José Zuqueti, Procurador de Justiça, é pelo desprovimento dos recursos (fls. 236/239).
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
A SRA. DRA. MARIA ÂNGELA V. GADELHA DE SOUZA
Ratifico o parecer escrito.
V O T O (PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE ATIVA)
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Os apelados Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida, mãe e avós do menor Vinícius Almeida Assunção, também apelado, propuseram a ação de indenização por dano moral contra o apelante Hospital de Medicina Especializada Ltda., em decorrência dá má prestação de serviços médicos ao menor que se encontrava internado e, quando prestes a receber alta, foi medicado erroneamente, o que ocasionou complicações, sendo encaminhado para a UTI imediatamente, onde permaneceu por 17 dias.
O apelante, em contestação, arguiu preliminarmente a ilegitimidade dos ora apelados.
A matéria foi apreciada por ocasião do despacho saneador:
"O fundamento de reparação de dano moral é a violação de direitos personalíssimos e a integridade psíquica encontra-se no rol desses direitos, sendo a dor e o sofrimento agressão à psique da pessoa. Assim, as pessoas que mantêm vínculos firmes de amor ou de afeição com o ofendido são partes legítimas para interpor ação indenizatória por dano moral.
Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da mãe e dos avós maternos do ofendido." (fl. 137)
Da referida decisão não houve recurso, portanto, preclusa a matéria.
Nesse sentido a jurisprudência:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. RAZÕES DISSOCIADAS. SÚMULA 182 DO STJ. ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. QUESTÃO PRECLUSA. INOVAÇÃO. DESCABIMENTO.
1. A decisão agravada não reconheceu a ilegitimidade ativa do agravante. Quem o fez foi o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao julgar a apelação cível, tanto que determinou a emenda à inicial.
Nesse contexto, se o sindicato se considerava parte legítima, deveria ter manifestado recurso especial ou extraordinário. Contudo, não o fez, pelo que a questão da sua legitimidade, nos presentes autos, encontra-se preclusa.
2. Hipótese em que o recurso especial, na verdade, era a possibilidade de emenda à inicial, uma vez reconhecida a ilegitimidade ativa após a citação do réu, matéria da qual não cuidou sequer uma linha do agravo regimental.
Incidência da Súmula 182 do STJ.
3. Se se entendia parte legítima, o sindicato deveria ter interposto recurso no momento adequado e não dado azo à aplicação do velho brocardo latino segundo o qual dormientibus non sucurrit jus. Além disso, o reconhecimento da legitimidade do sindicato, no âmbito do recurso especial interposto pela FUNASA, importaria julgamento ultra petita, pois a questão não era objeto da controvérsia recursal, além de reformatio in pejus, porquanto consistiria decisão contrária ao próprio recorrente.
4. A discussão no agravo regimental é restrita às questões tratadas no recurso especial, não se admitindo inovação nessa fase recursal.
5. Agravo regimental não conhecido." (AgRg no REsp 975.761/RN, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Sexta Turma, julgado em 15-4-2008, DJe 28-4-2008, in www.stj.jus.br).
"APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE COBRANÇA. DANOS MATERIAIS EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA MANTIDA.
- Preliminar de ilegitimidade ativa suscitada na contestação afastada por ocasião da audiência, restando irrecorrida a decisão. Matéria preclusa.
- Agravo retido. Desprovimento.
(...) Agravo retido e apelo desprovidos." (Apelação Cível nº 70023510613; 12ª C. Cível; Rel. Des. Dálvio Leite Dias Teixeira; Julg. 04-6-2009, DJ 17-6-2009, www.tjrs.jus.br)
Não conheço da preliminar.
V O T O (MÉRITO)
EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Os autores, ora apelantes, obtiveram a condenação do Hospital de Medicina Especializada Ltda. - Hospital Santa Rosa, em quarenta mil reais, por erro de enfermeira-chefe ao ministrar medicamento em um deles, menor. A enfermeira aplicou diretamente na artéria medicamento inadequado para esse meio e as consequências foram constatadas pela médica responsável, pediatra Adriana M. Monteiro.
A criança estava internada há sete dias para tratamento de broncopneumonia. Em razão do erro na aplicação do medicamento, foi levada a UTI onde permaneceu por dezessete dias.
Não há questionamento sobre a responsabilidade do hospital.
Os apelantes Jocineide Maria de Almeida, José do Rosário de Almeida e Teresa Luciene de Almeida, mãe e avós do menor Vinícius Almeida Assunção, também apelante, pretendem a majoração da condenação e o Hospital de Medicina Especializada Ltda., a minoração.
A lide envolve matéria disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 14), prestação de serviços, onde a responsabilidade é objetiva.
A MM.ª Juíza apreciou detidamente as provas para o arbitramento da indenização:
"A despeito da caracterização da responsabilidade objetiva e da presunção absoluta da culpa do empregador em relação aos atos praticados por seus empregados, observa-se no caso em apreço que houve, inquestionavelmente, imperícia por parte do corpo de enfermagem, haja vista que o medicamento endovenoso que deveria ser aplicado na veia foi aplicado diretamente na artéria do paciente.
É o que se depreende do relatório de evolução médica e do adendo de internação, juntados às fls. 24/26, nos quais os médicos responsáveis pelo menor consignaram o seguinte:
'16/04/06 20:40
Sou chamada p/ avaliar pcte que apresentou dor em MSD após administração de cloritromicina injetável.
Paciente c/ palidez de mão direita e antebraço, c/ (...), cianose do membro, c/ dor intensa no membro. Dor intensa à palpação, temp. do (...), pulso radial ø.
Discutido caso c/ plantonista da UCO, pois o mesmo é Cir. Vascular.
Solicitada vaga em UTI ped. e contato c/ cirurg. Vascular de plantão. (...)
16/04/06 - 21:00h. Plantão da UTI Cardiológica do HSR. (...)
'Às 23:00 hs do dia 16/03/2006 deu entrada na UTI Pediátrica do Hosp. Santa Rosa, o pré escolar V. A. A., 3 anos de idade, proveniente do Apartamento deste Hospital, acompanhado pelo Pai e pela Mãe e pela Dra. Adriana (pneumologista). O paciente estava internado neste Hospital para tratamento de Pneumonia e Asma há +/- 5 dias. Há poucas horas quando da aplicação de um dos medicamentos anteriormente prescrito houve acidente ao puncionar via de acesso para aplicação destes medicamentos. Foi puncionado artéria e injetado o medicamento, quando ocorreu possivelmente espasmo arterial com imediata perda de circulação de sangue e consequente cianose no membro afetado. Ao adentrar nesta unidade o menor estava choroso lúcido, contactando bem com o meio ambiente.' (SCI 0 Adendo de Internação - fls. 26).
Conquanto a preposta do requerido tenha afirmado, em depoimento pessoal prestado em audiência, que a medicação foi injetada por meio de equipamento de administração puncionado, e que a própria movimentação do braço da criança pode ter feito a agulha que estava na veia ultrapassá-la e atingir a artéria, ainda assim não se pode atribuir culpa exclusiva ou concorrente ao segundo requerente, mesmo porque compete ao corpo de enfermagem do hospital o dever de cuidado e acompanhamento de seus pacientes, observando toda e qualquer irregularidade que possa colocar em risco a sua saúde.
(...)
Comprovado o defeito na prestação dos serviços por parte do requerido (conduta lesiva), verifica-se que o dano e o nexo de causalidade também estão presentes, uma vez que a falha do corpo de enfermagem levou ao agravamento do quadro clínico do paciente, que estava prestes a receber alta quando da aplicação errônea do medicamento, sendo necessária a sua transferência para a UTI, o que já demonstra a gravidade da situação, independentemente de ter ou não resultado sequelas na criança.
A angústia a que foram submetidos os demais requerentes, mãe e avós do menor, também é inquestionável, decorrendo da própria situação desesperadora a que foram submetidos.
(...)
O valor da indenização, no entanto, deve ser fixado com prudência, para que não constitua fonte de enriquecimento ilícito. Contudo, deve ser suficiente para coibir a prática geradora de constrangimentos. Sopesando as circunstâncias do caso, entendo ser suficiente e pedagógico o valor de R$ 40.000,00 (...), mesmo porque depois que os médicos foram contatados, o menor foi imediatamente transferido a UTI, sendo-lhe prestados os cuidados necessários, não restando nenhuma sequela física importante." (fls. 179/181).
Quanto ao valor arbitrado pela MM.ª Juíza, na reparação do dano moral não há indenização propriamente dita, mas, a compensação ou satisfação moral ao ofendido e, paralelamente, a reprovação do ato do ofensor, de modo a desestimulá-lo a reincidir.
É consagrado o entendimento de que "cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral" (in "Programa de Responsabilidade Civil", Sérgio Cavalieri Filho, 2ª ed., Malheiros, 2000, p. 80).
O arbitramento deve pautar-se por critérios que não impliquem enriquecimento do lesado, nem ser tão ínfimo que se torne irrisório para o ofensor.
A indenização foi fixada em quarenta mil reais. O erro na administração do medicamento não deixou sequelas no paciente, portanto, o valor atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Os argumentos recursais dos autores não autorizam a majoração pretendida. Na realidade, não fazem mais do que transcrever os fundamentos da petição inicial e argumentar que o réu teria confessado a culpa e não se dignara sequer em assumir os custos financeiros do erro.
Todavia, os autores não pleitearam eventual prejuízo material e a reparação do dano moral não cobre custos financeiros. Dentre os critérios que norteiam o arbitramento da reparação do dano moral não figura o prejuízo material.
Por outro lado, os argumentos de que teria sido uma fatalidade, um evento previsível no meio médico, e que teria agido de modo a recompor a integridade da vítima, não socorrem as pretensões recursais do Hospital.
Se o evento era previsível, com maior razão havia ter sido evitado. Se não o foi, tanto que a criança passou por momentos críticos, esse fator demonstra a negligência do hospital no trato com os seus clientes e impede que se beneficie o causador do mal.
As prontas providências para a pronta recuperação da vítima foram consideradas pela MM.ª Juíza e de forma a não condenar em valor superior ao estabelecido.
A redação da sentença é clara nesse particular: "entendo ser suficiente e pedagógico o valor de R$40.000,00 (...), mesmo porque depois que os médicos foram contatados, o menor foi imediatamente transferido a UTI, sendo-lhe prestados os cuidados necessários, não restando nenhuma sequela física importante." (fl. 181).
Nego provimento aos recursos.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEXTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ FERREIRA LEITE, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JURACY PERSIANI (Relator), DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (Revisor) e DES. JOSÉ FERREIRA LEITE (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECERAM DA PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DESPROVERAM AMBOS OS RECURSOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 23 de setembro de 2009.
DESEMBARGADOR JOSÉ FERREIRA LEITE - PRESIDENTE DA SEXTA CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR JURACY PERSIANI - RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 06/10/09
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