sexta-feira, 31 de julho de 2009

Perda de uma chance. Considerações acerca de uma teoria



Janaína Rosa Guimarães

Em decisão proferida pela 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o relator da apelação, Sérgio Jerônimo Abreu Silveira condenou uma empresa que atua na área de coleta e armazenamento de células-tronco a indenizar um casal por não ter recolhido células-tronco do cordão umbilical da sua filha, nascida de cesariana em uma maternidade do Rio de Janeiro. Ao que consta dos autos, o preposto da empresa encarregada do serviço não compareceu ao hospital porque, segundo ele, teria sido vítima de furto em uma cidade vizinha.


Publicada em março de 2009, tal condenação não seria diferente dos milhares de recursos proferidos pelos tribunais no país, no tocante a contratação de um serviço e seu inadimplemento, bem como os danos relativos à responsabilidade civil, se não fosse por uma vertente peculiar sobre a responsabilidade civil.


Há 3 anos, em 13 de março de 2006, era publicada mais uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da responsabilidade civil. No caso, a 4ª Turma, sob relatoria do ministro Fernando Gonçalves, condenou uma empresa responsável pela produção de um programa televisivo de entretenimento a indenizar o autor que teve frustrada sua expectativa de ganhar um prêmio de um milhão de reais, em razão da formulação imprecisa de uma pergunta e resposta.


Casos tão distintos, com particularidades tão singulares, acabam por se aproximar em razão da perda de uma oportunidade dos autores. Em ambos os casos, vê-se a aplicação da teoria da perda de uma chance.


A origem da teoria e o direito comparado


A perda de uma chance, ou perte d’une chance, trata-se de teoria difundida pelos tribunais franceses ao aplicarem as regras da responsabilidade civil em casos envolvendo médicos.


A decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria adveio da 1ª Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964. O caso narrou a acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, considerado desnecessário o procedimento que adotara, consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.


Assim, a corte francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que entre o erro do médico e as graves consequências, a ser a invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos.


Diante de tal precedente, a doutrina estrangeira passou a reconhecer a teoria da perda de uma chance como válida e existente. Na Itália, muitos foram os estudos e avanços da doutrina que passou a reconhecer a possibilidade de se indenizar pela chance perdida, sempre que pudessem ser consideradas atuais, sérias e reais as oportunidades de obtenção de uma certa vantagem, que já existia no patrimônio da vítima no momento da lesão.


A aplicação da teoria no Brasil


A perda de uma chance surge, atualmente, como uma nova categoria de dano indenizável.


No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance, é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da doutrina e jurisprudência, uma vez que o Código Civil de 2002 não fez menção a ela. Existe, ainda, ausência de critérios argumentativos que tragam uniformidade aos casos.


Em linhas gerais, a teoria, de construções doutrinárias francesa e italiana, configura-se na possibilidade de obter indenização em decorrência da perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo.


No que tange à indenização pela perda de uma chance é essencial que a oportunidade seja plausível e não aponte uma simples quimera. Trata-se da probabilidade de que o evento ocorresse, ou seja, não fosse a intervenção do agente, esta chance deveria ser séria e viável. Assim, a chance deve ser considerável e não meramente eventual.


Assim como na França, a grande maioria dos julgados aplica a teoria em ações relativas à prestação de serviços e métodos utilizados por médicos. Também encontramos com certa regularidade juízes aplicando tal regra em ações envolvendo a atuação de advogados, onde, embora tenham seus contratos pautados em uma obrigação de meio, acabam por perder um prazo, deixando de interpor um recurso ou medida apta a garantir uma chance, uma oportunidade mais concreta de sucesso em uma demanda, por exemplo.


Não obstante a aplicação da teoria da perda de uma chance ser comumente retratada nesses dois casos, nos últimos três anos pudemos estudar a evolução da jurisprudência brasileira, reconhecendo a existência da responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em outras pretensões de naturezas distintas.


Sobre a aplicação da teoria, pinçamos diversos julgados proferidos: de tribunais estaduais, passando por tribunais federais e tribunais superiores.


Vejamos:


IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO - PERDA DA OPORTUNIDADE. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. (STJ - REsp 788459/BA – Rel. Min. Fernando Gonçalves – Publ. em 13-3-2006)


RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PERDA DE UMA CHANCE. (...). A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. (...). Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá consequências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações. (STJ - REsp 745363/PR – Rel. Min. Luiz Fux – Publ. em 20-9-2007)


TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO PAGO E NÃO CADASTRADO - TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. Hipótese na qual o autor adquiriu título de capitalização, que foi pago em 08/05/2002. Entretanto, não recebeu o título e, ao consultar a central de atendimento da Federal Capitalização S/A, segunda ré, verificou que não havia título em seu nome e CPF. Assim, resta caracterizada a falha no serviço. É caso de inadimplemento contratual, e responsabilidade das rés pela inexecução do ajuste. A abrangência do artigo 403 do CC não autoriza a reparação do dano remoto, o que ocorreria se levado em conta o valor do prêmio que poderia ser obtido. A chamada teoria da perda de uma chance, em caso como o dos autos, deve ser equacionada dentro da reparação do dano moral, e sua carga lateral punitiva. Admitido que a ré pudesse sair livre da situação, apenas devolvendo o valor aplicado, seria ofensa à dignidade de todos os consumidores que, como o autor, fazem a sua fé na sorte. (TRF-2ª Região - Ap. Cív. 2003.51.10.001761-6 – Rel. Des. Guilherme Couto – Publ. em 5-5-2006)


EXTRAVIO DE AUTOS - INDENIZAÇÃO - PERDA DE UMA CHANCE. (...). Tal pressuposto mostra-se equivocado, na medida em que não há garantia alguma de que aquela ação seria, de fato, julgada procedente. A situação aqui tratada, na verdade, consubstancia-se na responsabilidade civil pela perda de uma chance. O princípio reitor da responsabilidade civil informa que aquele que violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, tendo a obrigação de indenizar (CC, arts. 186 e 927). Entretanto, a indenização mede-se pela extensão do dano (CC, art. 944, caput), e o dano causado pelo Estado, na situação sob análise, é representado pela perda da expectativa de obtenção de uma sentença judicial favorável, e não pela perda do adicional pleiteado, eis que não havia, objetivamente, certeza da vitória quanto a esse pedido. Configurada a perda de uma chance, a indenização pelo dano sofrido há de ser reduzida, na proporção da chance de êxito da vítima, em atenção ao disposto no CC, art. 944, e a fim de evitar o enriquecimento sem causa. (TRF-3ª Região - Ap. Cív. 823569)


ADVOGADO - RESPONSABILIDADE CIVIL - OBRIGAÇÃO DE MEIO - TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. (...) A denominada "teoria da perda de uma chance", de inspiração francesa, empresta suporte jurídico para indenizações em caso de frustração de demandas judiciais devido ao desleixo profissional de advogados lenientes, contanto que estejam configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade dos ganhos e sua relação de causalidade direta com os atos desidiosos. À luz da "teoria da perda de uma chance", que elastece os contornos dos lucros cessantes, o atendimento do pleito indenizatório está adstrito não apenas à comprovação de que os serviços advocatícios deixaram de ser prestados segundo parâmetros razoáveis de qualidade. Exige também a comprovação de que o autor da demanda efetivamente titularizava os direitos pleiteados e que a repulsa judicial derivou das faltas técnicas atribuídas aos serviços advocatícios. (TJ-DFT- Ap. Cív. 20040111230184 – Rel. Des. Jaime Eduardo Oliveira – Publ. em 26-7-2007)


RESPONSABILIDADE CIVIL - COLETA E ARMAZENAMENTO DE CÉLULAS-TRONCO - AUSÊNCIA DE PREPOSTO DA EMPRESA NO MOMENTO DO PARTO. Se os pontos que se pretendia demonstrar com a produção de novas provas podiam ser averiguados através dos documentos que instruíram a inicial, mostra-se desnecessária sua realização, inocorrendo, portanto, cerceamento de defesa. Considerando que as células-tronco são o grande trunfo da medicina moderna no tratamento de inúmeras patologias consideradas incuráveis, não se pode dizer que a ausência da ré no momento do parto, com a perda da única chance existente para a coleta desse material, trata-se de um simples inadimplemento contratual. Havendo desperdício da única chance existente para a coleta das células-tronco por culpa exclusiva da ré, que foi negligente ao deixar de encaminhar preposto qualificado para a coleta no momento oportuno, evidente se mostra o dano moral suportado pelos autores diante da frustração em ampliar os recursos para assegurar a saúde de seu primeiro filho. (TJ-PR - Ap. Cív. 401.466-0 - Acórdão COAD 121952 - Rel. Des. Ronald Schulman - Publ. em 1-6-2007)


DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR MUNICIPAL - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO.(...) Laudo pericial conclusivo no sentido de que houve nexo de causalidade, o que se confirma diante do conjunto probatório, não tendo o município se esforçado para demonstrar que agiu adequadamente na realização do exame causador do dano.(...) Orientação predominantemente em matéria de falha médica ou hospitalar. Aplicação da teoria da perda de uma chance. Precedentes do STJ. Configuração dos danos moral, estético e material, este, no tocante ao lucro cessante. (TJ-RJ- Ap. Cív. 2008.001.20957 – Rel. Des. Custódio Tostes – Julg. em 6-8-2008)


SORTEIO - EXCLUSÃO DE PARTICIPANTE - TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - DANO MORAL CONFIGURADO. Não tendo o requerido comprovado a existência de fato extintivo do direito da autora em participar da segunda fase do sorteio por ele promovido, necessário o reconhecimento do dano extrapatrimonial, face à frustração em participar do sorteio objeto desta demanda. Aplicável, ao caso, a Teoria da Perda de uma Chance. (...) (TJ-RS - Ap. Cív. 70.020.549.648 – Acórdão COAD 124762 - Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack - Publ. em 4-3-2008)


HOSPITAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - OMISSÃO - NEGATIVA DE ATENDIMENTO POR FALTA DE PAGAMENTO - MORTE - PERDA DE UMA CHANCE. (...) no que tange à alegação de que o nexo de causalidade estaria excluído em razão de que a vítima faleceria de qualquer modo. Embora seja forçoso reconhecer que a gravidade de seu estado de saúde, como afiançado pelo Perito Médico Legista. Não há como se ter certeza de que se o paciente tivesse recebido pronto e adequado atendimento médico teria falecido da mesma forma. Aplicável aos fatos narrados na exordial a teoria da perda de uma chance. (...) (TJ-RS - Ap. Civ. 70025575002 - Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto - Publ. 19-11-2008)


Para a maioria da doutrina, a perda da chance configura-se um dano material e autônomo, eis que se baseia na perda da oportunidade de obter um lucro/vantagem ou evitar um dano. Esta perda apenas ocorre porque um fato ilícito interrompe o curso normal dos acontecimentos antes da concretização da oportunidade.


Sabido é que o dano patrimonial deve sempre ser atual e certo, de modo a se identificar com clareza os danos emergentes e lucro cessantes no momento da indenização.


Em decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, também vemos aplicação da teoria:


RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO - ATO ILÍCITO DO EMPREGADOR - PERDA DE UMA CHANCE - DANO PATRIMONIAL INDENIZÁVEL. A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance torna indenizável a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado que é obstado por ato ilícito praticado pelo agente ofensor. Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de supervisor de vendas da reclamada, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. E aqui, independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada. (TRT-3ª Região - RO 1533-2007-112-03-00-5 - Acórdão COAD 127370 - Rel. Des. Emerson José Alves Lage - Publ. em 2-10-2008)


Analisando os julgados em epígrafe, vê-se que a teoria embasa o direito à reparação em virtude de dano, assim considerado como perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo. Perde-se aí uma oportunidade, não necessariamente de alcançar, mas de tentar alcançar.


Neste caso coexistem um elemento de certeza e um elemento de incerteza. Aquele, justificado pela não realização do evento danoso e, em consequência, o prejudicado manteria a esperança de, no futuro, obter um lucro real ou evitar uma perda patrimonial. Este, noutra ponta, em virtude de não se haver produzido tal evento prejudicial e, com isso, mantido a chance, não se teria certeza da obtenção do lucro ou se a perda teria sido evitada.


Na lição de Sérgio Cavalieri Filho, não se deve considerar a chance como a perda de um resultado certo, haja vista a sua incerteza de realização. Deve-se, sim, pensar na chance como a perda da possibilidade de alcançar um resultado ou evitar que este resultado se concretize. Para a configuração do dano motivado na aplicação da perda de uma chance, há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo.


Neste sentido, para que seja configurada a responsabilidade civil fundada na teoria, a chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de um fato consumado, não hipotético.


Diante de tais considerações, vê-se que, em determinados casos, a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou presunção.

IN: Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 30 de julho de 2009.
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Janaína Rosa Guimarães- Advogada pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil - Coordenadora editorial do site ADV Online - Redatora e membro da Equipe Técnica ADV–Advocacia Dinâmica, da COAD - Membro honorário da ABDPC/Associação Brasileira de Direito Processual Civil – Colunista da seção “Jurisprudência Comentada” da revista Visão Jurídica.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Problema dentário não é critério razoável para excluir candidato de concurso


Por determinação do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública do DF, um candidato considerado inapto por apresentar problemas dentários ganhou o direito de seguir participando de concurso para o cargo de soldado do Corpo de Bombeiros Militar do DF, apesar de previsão editalícia em contrário. O Distrito Federal recorreu, mas a sentença foi mantida na íntegra, de forma unânime, pelo colegiado da 1ª Turma Cível do TJDFT.

O autor narra que foi aprovado na primeira e segunda fase do concurso público para soldado do Corpo de Bombeiros Militar do DF, regulado pelo Edital nº 21/1999. Conta que na terceira fase do certame (exames médicos e complementares), foi considerado inapto, sob a justificativa de ter problemas dentários. Explica que tem pequenas cáries, passíveis de tratamento, não impedindo o exercício das atribuições do cargo almejado, motivo pelo qual entende que a eliminação foi arbitrária, desarrazoada e desproporcional.

O Distrito Federal afirma que o autor desconsiderou regra editalícia que exige dos candidatos saúde dentária, requisito que deve ser atendido na data do exame, pois do contrário a aprovação seria feita de modo privilegiado. Enfatiza ser irrelevante se a patologia tem ou não tratamento, sustenta que não houve arbitrariedade e que entre a inscrição no concurso e a inspeção dentária passaram-se sete meses. Logo, o autor teve tempo suficiente para se tratar e atender a exigência.

Tomando como base os preceitos da Constituição Federal, que em seu artigo 37, inciso I, estabelece que: "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei", o magistrado ressalta que coube ao legislador ordinário a tarefa de delimitar os requisitos necessários ao exercício das atribuições dos cargos públicos. Por óbvio, prossegue ele, "é esperado que tais requisitos sejam editados em consonância com os princípios constitucionais, dentre os quais o da proporcionalidade e da razoabilidade".

O julgador registra que, a despeito de verificar-se no Anexo B do Edital nº 21/1999, normas que estabelecem as condições incapacitantes, entre as quais "estado de saúde oral deficiente (cáries generalizadas, gengivite, tártaro ou raiz residual); prótese mal adaptada ou insatisfatória; menos de 20 (vinte) dentes rígidos ou devidamente restaurados", a exigência de saúde bucal não consta do Estatuto dos Bombeiros Militares do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal

Ainda que previsto em regulamento, para o juiz, "não se justifica o requisito referido, vez que muitas das anomalias citadas são temporárias e passíveis de recuperação. O interesse público não está presente na imposição de tal exigência, logo, mostra-se totalmente desarrazoada. É importante que um soldado bombeiro militar tenha capacidade física e psicológica para enfrentar as situações de risco inerentes ao cargo, todavia, soa absurdo que problemas com cáries constituam óbice ao ingresso nas fileiras do CBMDF de pessoa que demonstrou aptidão em todos os demais exames".

O magistrado ressalta, ainda, que de acordo com a perícia judicial realizada, as cáries que o autor teve e os demais problemas de sua saúde bucal foram superados e ele apresenta condições dentárias para realizar suas atividades profissionais. Assim, decide: "Tendo em vista a ausência de razoabilidade e proporcionalidade da referida exigência para o ingresso no cargo público almejado pelo autor, resta reconhecer o seu direito à nomeação e posse, mediante o reconhecimento da ilegalidade do ato administrativo que determinou a sua eliminação na terceira etapa do certame".

Ante o exposto, o magistrado confirmou a medida liminar deferida anteriormente para determinar a permanência do autor nas demais fases do concurso público e, em sendo aprovado, determinar a sua nomeação e posse no cargo de soldado bombeiro militar do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.

Quanto à alegação do DF, em sede de recurso, de que a sentença de primeiro grau "feriu o princípio da isonomia, na medida em que concedeu privilégio ao permitir que candidato reprovado em exame médico pudesse ter a chance de fazer tratamento a posteriori para se enquadrar nas exigências do edital", o desembargador relator ensina: "O candidato que não cumpre a exigência editalícia, quando esta não se encontra pautada na lei nem nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não afronta o princípio isonômico previsto na Constituição Federal, justo porque a exigência é irrazoável e desproporcional para todos os certamistas".
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Nº do processo: 20000110173630APC
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 28 de julho de 2009
http://jusvi.com/noticias/41178

sábado, 25 de julho de 2009

Violência escolar e o fenômeno 'bullying'. A responsabilidade social diante do comportamento agressivo entre estudantes


Janaína Rosa Guimarães

Tem-se por princípios norteadores do caráter e formação do ser humano àqueles conhecidos e esculpidos em sua personalidade desde tenra idade. Para isto, família e escola são pilares fundamentais de sustentação de valores aptos a basear conceitos morais e sociais que seguirão por toda uma vida.

Para que se preserve a harmonia de uma vida em sociedade, importante uma noção clara de princípios morais e sociais basilares. Em linhas gerais, a educação de uma criança, sobretudo à noção de respeito ao próximo, é tarefa dos pais. Quem pariu Mateus, que o embale! Contudo, no papel de fortalecer conceitos de civilidade e convivência social, estão, secundariamente, as cadeiras escolares.

Neste cenário, temerário quando cabe ao Judiciário, como força estatal, intervir na tentativa de resgatar conceitos básicos de vida em sociedade, acendendo um sinal de alerta a todos nós quanto à necessidade de se resgatar princípios básicos não só do direito, mas da condição humana.

Em decisão inédita proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, os desembargadores, por unanimidade, condenaram uma instituição de ensino a indenizar moralmente uma criança pelos abalos psicológicos decorrentes de violência escolar praticada por outros alunos, tendo em vista a ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Não obstante outras decisões envolvendo violência escolar, têm-se como decisão pioneira eis que relatou abertamente um fenômeno estudado por médicos e educadores em todo mundo - o bullying.

Da decisão, extraímos a ementa:

ABALOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR - BULLYING - OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA. (...) Na espécie, restou demonstrado nos autos que o recorrente sofreu agressões físicas e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças daquela idade, no interior do estabelecimento réu, durante todo o ano letivo de 2005. É certo que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do Colégio em razão de sua responsabilidade objetiva. Com efeito, o Colégio réu tomou algumas medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como “diferentes”. Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em instituições como a escola. No dizer de Helder Baruffi, “Neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania.” (TJ-DFT - Ap. Civ. 2006.03.1.008331-2 - Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior - Julg. em 7-8-2008)

O termo bullying

Ainda pouco estudado no Brasil e quase totalmente desconhecido pela comunidade jurídica, o fenômeno bullying começa a ganhar espaço nos estudos desenvolvidos por pedagogos e psicólogos ligados às instituições de ensino, ganhando destaque em meados da década de 90.

Brincadeiras de mau gosto, gozações, rixas e brigas escolares sempre existiram. Entretanto, para tudo, existem limites. Ações e comportamentos excessivos de crianças e adolescentes no ambiente escolar, ainda ignorados ou tratados como “normais” por pais e professores, tornou-se um grande problema do século XXI.

O bullying, palavra derivada do verbo inglês bully (termo utilizado para designar pessoa cruel, intimidadora, muitas vezes agressiva) significa usar a superioridade física ou moral para intimidar alguém. O termo, adotado em vários países, vem definir todo tipo de comportamento agressivo, intencional e repetido inerente às relações interpessoais. Ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar e quebrar pertences são comportamentos típicos do fenômeno.

Em um primeiro momento, podem parecer comportamentos agressivos que ocorrem nas escolas e que são tradicionalmente admitidos como naturais. Para alguns, atitudes inerentes ao “amadurecimento” de crianças e adolescentes; para outros, ações de profundo desrespeito ao próximo e que carecem de análise.

Não obstante o estrangeirismo, a adoção universal do termo bullying se deu em razão da dificuldade em traduzi-lo para diversas línguas. Durante a realização da Conferência Internacional Online School Bullying and Violence, ocorrida em 2005, ficou caracterizado que o amplo conceito dado à palavra dificulta a identificação de um termo nativo correspondente em países como Alemanha, França, Espalha, Portugal, Brasil, e muitos outros.

A responsabilidade da escola

O bullying é um problema mundial, sendo encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição: primária ou secundária, pública ou privada. As escolas que não admitem a ocorrência do fenômeno entre seus alunos, ou desconhecem o problema ou se negam a enfrentá-lo.

A escola é o primeiro contato da criança com o âmbito público, sendo um espaço plural por natureza. Justificando-se na agitação da vida moderna, onde as famílias têm um, no máximo dois filhos, sendo deixados em creches e escolas cada vez mais cedo, os pais, indiretamente, transferem a responsabilidade pela educação dos filhos às escolas.

É neste ambiente que crianças e adolescentes entram em contato com um conjunto de valores diferentes daqueles de sua família. É aqui que, via de regra, deverão aprender a viver em sociedade, tendo noções do coletivo, da convivência harmônica e democrática.

Na decisão proferida pelo TJ-DFT, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil das escolas por defeito na prestação de serviço é objetiva.

Nestes termos, importante considerar que a entidade de ensino é investida no dever de guarda e preservação da integridade física e psicológica do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, objetivando prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano decorrente do convívio escolar.

Para o relator, as agressões físicas e verbais de alguns alunos foram muito além de pequenos atritos entre crianças. Assim, considerando que o estabelecimento de ensino não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, a condenação foi de rigor.

Sobre a responsabilidade da escola, destacamos outro julgado, agora do Tribunal de Justiça de São Paulo:

RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O Município é responsável por danos sofridos por aluno, decorrentes de mau comportamento de outro aluno, durante o período de aulas de escola municipal. O descaso com que atendido o autor quando procurou receber tratamento para sua filha se constitui em dano moral que deve ser indenizado. (TJ-SP – Ap. 7109185000 – Rel. Des. Barreto Fonseca – Julg. em 11-8-2008)

A responsabilidade dos pais

Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. Para tanto, sabe-se que a natureza humana não é espontaneamente generosa, respeitosa e solidária. Virtudes como essas devem ser rotineiramente aprendidas e exercitadas.

A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, em primeiro lugar, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere. Neste sentido, cabe aos pais e responsáveis zelar pela condução de princípios básicos, eis que, neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania.

É no seio familiar que são construídos os primeiros conceitos de moralidade, civilismo e ética. Neste sentido, compete aos pais a responsabilidade pelos abusos e atitudes violentas praticadas pelos seus filhos.

O comportamento agressivo vem ganhando mais força com a internet. O cyberbullying – a versão on-line da prática – tem potencial para fazer ainda mais vítimas que o bullying tradicional. A versão virtual do fenômeno, através de e-mails, páginas na web, sites de relacionamento, programas de bate-papo, mensagens via celular, favorecidos na maioria das vezes pela facilidade do anonimato, vem tomando proporções geométricas.

Também em decisão de vanguarda na Justiça brasileira, o Tribunal de Justiça de Rondônia condenou os pais de um grupo de alunos que, utilizando de um ambiente virtual, agrediram moralmente um professor.

Vê-se, pois, que o comportamento agressivo de crianças e adolescentes não estão limitados apenas aos colegas. Infelizmente, o desrespeito e humilhação vêm atingindo os próprios educadores.

Assim se destaca da ementa:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - COMUNIDADE VIRTUAL DO ORKUT - MENSAGENS DEPRECIATIVAS A PROFESSOR - RESPONSABILIDADE DOS PAIS. Os danos morais causados por divulgação, em comunidade virtual – orkut – de mensagens depreciativas, denegrindo a imagem de professor – identificado por nome –, mediante linguagem chula e de baixo calão, e com ameaças de depredação a seu patrimônio, devem ser ressarcidos. Incumbe aos pais, por dever legal de vigilância, a responsabilidade pelos ilícitos cometidos por filhos incapazes sob sua guarda. (TJ-RO – Acórdão COAD 126721 - Ap. Civ. 100.007.2006.011349-2 – Rel. Convocado Juiz Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa – Public. em 19-9-2008)

Em seu voto, o relator fez as seguintes considerações:

“A meu ver, tais condutas ultrapassam, em muito, o que pode ser considerado brincadeira, pois não é a pretexto de brincadeira que se justifica ofender a honra alheia ou se ameaça depredar o patrimônio alheio. Caso não saibam os apelantes, a brincadeira, quando ocorre, tem o consentimento e a empatia das partes envolvidas, e não foi assim que os fatos se deram. Quanto à função punitiva da reparação, esta se dirige diretamente aos pais, que têm o dever de vigilância e educação, de forma que o cumprimento de medida socioeducativa pelos filhos não tem o condão de, por si só, afastá-la. Saliento que o dever de vigilância é uma incumbência legal dos pais, enquanto responsáveis pelos filhos. Trata-se de um dever legal objetivo do qual não pode o responsável se escusar, ao argumento de ser impossível a vigilância do filho por vinte e quatro horas ao dia. Noutras palavras, o argumento trazido pelos apelantes é por demais frágil e não afasta os consectários do descumprimento do dever legal. Quanto à repercussão dos comentários lesivos, é fato notório que as comunidades virtuais do orkut têm ampla divulgação aos cadastrados via internet, não sendo crível que os dados ali postados tenham-se restringido aos vinte e nove membros participantes do grupo. Portanto, não há como afastar a responsabilidade dos apelantes, sendo devida a reparação pelos danos deflagrados.”

As consequências no ambiente escolar e na sociedade

Ao aprofundarmos nossa reflexão, veremos claramente que o bullying, fenômeno cruel e silencioso, não traz somente consequências negativas para o ambiente escolar.

Para o Promotor de Justiça de Minas Gerais Lélio Braga Calhau, o fenômeno estimula a delinquência, induzindo a outras formas de violência explicita aptas a produzir, em larga escala, “cidadãos estressados, deprimidos e com baixa auto-estima, capacidade de auto-afirmação e de auto-expressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves”.

Neste contexto, válido relembrar o caso do adolescente sul-coreano Cho Seung-Hui responsável pelo massacre em uma Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos da América, em abril de 2007. Vítima de bullying pelos colegas de turma, o estudante invadiu a universidade matando 32 pessoas, deixando mais de 15 feridas e, em seguida, suicidando-se.

As estatísticas vindas dos estudos realizados por pediatras, pedagogos e psicólogos mostram números cada vez mais preocupantes de tal prática em nossas instituições de ensino.

Não obstante a iniciativa de alguns Estados e municípios em adotar uma política para adoção de um programa de combate ao bullying, não existe uma legislação específica tratando do tema, cabendo ao Judiciário aplicar as regras e sanções previstas na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Penal, por exemplo.

Após um caso ocorrido com um estudante na Paraíba, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou projeto, dando origem à Lei municipal 11.381/08 que dispõe sobre o combate ao fenômeno.

Recentemente, o Governador do Estado de Santa Catarina sancionou a Lei estadual 14.651/09 para instituição do programa de combate ao bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado.

Em Estados como São Paulo e Rio de Janeiro, a iniciativa ainda está sendo analisada pelo Poder Legislativo, através dos respectivos projetos de lei 350/07 e 683/07.

Na lição do educador Içami Tiba, “o enfrentamento do bullying, além de ser uma medida disciplinar, também é um gesto cidadão tremendamente educativo, pois prepara os alunos para a aceitação, o respeito e a convivência com as diferenças”.

Destarte, é tempo de reflexão de toda a sociedade, em especial pais, professores, pedagogos, psicólogos e, agora, juristas. O bullying não pode ser entendido como mero banalizador para o nível de tolerância da sociedade com relação à violência. Infelizmente, enquanto a sociedade não estiver preparada para lidar com o bullying, serão mínimas as chances de reduzir as outras formas de comportamentos agressivos e destrutivos.

Reduzir a prevalência de bullying nas escolas pode ser uma medida de saúde pública altamente efetiva para o século XXI. A sua prevalência e gravidade compelem os pesquisadores a investigar os riscos e os fatores de proteção, associados com a iniciação, manutenção e interrupção desse tipo de comportamento agressivo. Os conhecimentos adquiridos com os estudos devem ser utilizados como fundamentação para orientar e direcionar a formulação de políticas públicas e para delinear as técnicas multidisciplinares de intervenção que possam reduzir esse problema de forma eficaz.

Para o tema, não há que se discutir aqui a quem compete à responsabilidade na educação de crianças e adolescentes. Diante do desrespeito flagrante e a ausência de noções básicas de civilidade, todos devem “ficar de castigo”, pais e professores.

Em um país como o Brasil, onde o incentivo à melhoria da educação de seu povo se tornou um instrumento socializador e de desenvolvimento, onde grande parte das políticas sociais é voltada para a inclusão escolar, as escolas passaram a ser espaço próprio e mais adequado para a construção coletiva e permanente das condições favoráveis para o pleno exercício da cidadania.
(Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 24 de julho de 2009 Disponivel em http://jusvi.com/artigos/41126 Acesso em 25 jul. 2009).
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Janaína Rosa Guimarães- Advogada pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil - Coordenadora editorial do site ADV Online - Redatora e membro da Equipe Técnica ADV–Advocacia Dinâmica, da COAD - Membro honorário da ABDPC/Associação Brasileira de Direito Processual Civil – Colunista da seção “Jurisprudência Comentada” da revista Visão Jurídica. Contato: janainarosa@coad.com.br



sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ofensas por e-mail gera indenização por dano moral

Um estudante vai ter que indenizar, por danos morais, uma colega de curso de pós-graduação por tê-la ofendido em um e-mail compartilhado por estudantes e professores. A decisão, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), confirma sentença que fixou a indenização em R$ 4 mil.

Segundo o processo, em 2007, alunos e professores de um curso de pós-graduação em Biologia Vegetal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), num total de 52 pessoas, mantinham contato através de um grupo de e-mail. No dia 1º de dezembro daquele ano, o líder da turma enviou para o grupo um e-mail em que chamou uma estudante de “imbecil” por utilizar o e-mail para outros fins. Ele escreveu mais: “Sua retardada, pare d mandar e-mails inúteis e arrume alguma coisa melhor para fazer” (sic).

A estudante ajuizou ação de indenização por danos morais contra o líder da turma, alegando que sofreu abalo psicológico, ao ser humilhada e exposta ao ridículo perante aquelas pessoas de seu convívio social.

O juiz Maurício Torres Soares, da 15ª Vara Cível de Belo Horizonte, julgou o pedido da estudante procedente, fixando o valor da indenização em R$ 4 mil.

Inconformado, o líder da turma recorreu ao Tribunal de Justiça, mas os desembargadores Francisco Kupidlowski (relator), Cláudia Maia e Nicolau Masselli mantiveram a sentença.

“Não é de bom tom um líder de turma se achar no direito de agredir verbalmente, ou querer chamar atenção de uma colega chamando-a de ‘imbecil’ e ‘retardada’”, ressaltou o relator. Segundo o magistrado, a veiculação do texto “teve repercussão e, definitivamente, de forma nociva à reputação da estudante, atingindo sua honra subjetiva”. www.jurid.com.br 23/07/2009

Leia a íntegra do Acórdão:

Ação indenizatória. E-mail enviado a diversos colegas de mestrado com termos pejorativos.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0024.07.800747-3/001(1)
Relator: FRANCISCO KUPIDLOWSKI
Relator do Acórdão: FRANCISCO KUPIDLOWSKI
Data do Julgamento: 25/06/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA. E-MAIL ENVIADO A DIVERSOS COLEGAS DE MESTRADO COM TERMOS PEJORATIVOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. 1- A utilização de termos pejorativos para qualificar uma pessoa em e-mail enviado a diversos colegas de mestrado caracteriza constrangimento e humilhação para a autora, fato este que enseja reparação por dano moral. 2- O valor indenizatório deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, produzindo, nos causadores do mal, impacto suficiente para dissuadi-los de igual procedimento, forçando-os a adotar uma cautela maior, diante de situações como a descrita nestes autos.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.800747-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): DANIEL TEIXEIRA SOUZA - APTE(S) ADESIV: ANA CRISTINA DORNAS MUNHOZ - APELADO(A)(S): ANA CRISTINA DORNAS MUNHOZ, DANIEL TEIXEIRA SOUZA - RELATOR: EXMO. SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINARES E NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.

Belo Horizonte, 25 de junho de 2009.

DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI:

VOTO

Pressupostos presentes. Conheço de ambos os recursos.

Quanto a uma sentença que, na Comarca de Belo Horizonte - 15ª Vara Cível -, julgou procedente o pedido indenizatório a danos morais e condenou o réu ao pagamento de R$ 4.000,00, acrescido de correção monetária a partir da data da ofensa, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, surgem dois recursos. O principal foi interposto por DANIEL TEIXEIRA SOUZA, que, pretendendo reforma, alega que a petição inicial é inepta, carência de ação por ilegitimidade passiva, ausência de prejuízo e prova do alegado dano moral, bem como atitude ilícita por parte do apelante, o que pode ser comprovado pela prova testemunhal. Alternativamente, pugna pela redução do valor indenizatório.

O recurso adesivo foi interposto pela autora - ANA CRISTINA DORNAS MUNHOZ - visando majoração do valor condenatório a danos morais.

APELAÇÃO PRINCIPAL

Sobre a preliminar de inépcia da inicial:

Petição inepta é a que não contém os elementos da ação ou não manifesta as condições da ação, não permitindo um juízo de mérito por irregularidade de formação da relação processual.

No caso dos autos a argüição preambular é inocorrente, pois a petição inicial possui todos os requisitos exigidos pelo Código de Processo Civil, tanto é que permitiu ampla defesa do apelante, quando da apresentação da contestação.

Rejeito a preliminar.

Sobre a preliminar de carência de ação:

Data venia, o apelante principal é pessoa legítima para figurar no pólo passivo da demanda indenizatório, pois foi ele o autor do e-mail ofensor à honra da autora.

A finalidade da ação indenizatória a danos morais é o reconhecimento do ato ofensivo à honra do autor, haja vista a atitude ilícita do réu, nascendo, daí, o binômio necessidade/utilidade a compor o chamado interesse processual.

Rejeito a preliminar.

Meritoriamente, melhor sorte não assiste ao apelante.

Trata-se de ação indenizatória a danos morais, ao fundamento de que as partes cursam juntos mestrado na área de biologia, na Universidade Federal de Minas Gerais, e possuem um grupo de e-mails, quando em 01/12/2007 o réu enviou o e-mail de fls. 09 humilhando a autora perante todos os colegas, fato este que repercutiu entre as pessoas de seu convívio social.

Importante transcrever as palavras do réu escritas no e-mail:

"Meu primeiro e-mail para a pgbot é para reclamar do mal uso desse grupo por parte dessa imbecil da Ana Cristina. Cansei de abrir minha caixa de entrada e ver e-mails sobre a programação de qualquer biroska. Não mando recado pelos outros, venho diretamente reclamar com vc Ana, sua retardada, pare d mandar e-mails inúteis e arrume alguma coisa melhor para fazer. Quem foi q deixou tb essa menina entrar no grupo? Tem jeito de marcá-la como spam?".

Sem sombras de dúvidas, a educação não norteia o convívio do apelante principal com seus colegas de mestrado, pois se ele se sentiu incomodado com a participação da autora no grupo de e-mails, ou com as mensagens por ela enviadas, existem boas maneiras para manifestar o inconformismo, sem repreendê-la.

Ao contrário do que dito no apelo, percebo o tratamento pejorativo do réu frente à autora, sendo inoperante a argumentação de que ele é líder de turma, até porque, se realmente fosse e assim agisse, sua conduta seria outra.

Não é de bom tom um líder de turma se achar no direito de agredir verbalmente, ou querer chamar atenção de uma colega chamando-a de imbecil e retardada. Um líder definitivamente não age assim, não usa termos pejorativos a fim de diminuir uma colega de classe e profissão.

A veiculação do texto teve repercussão, smj, e definitivamente, de forma nociva à reputação da autora, atingindo sua honra subjetiva, o que se pode confirmar pelo e-mail de fls. 26, onde o réu pede desculpas, porém não à ofendida, mas aos demais colegas que não concordaram com sua atitude.

A prova do dano moral reclama simples demonstração do ato ilícito.

Sobre a matéria, pertinente a transcrição doutrinária de Carlos Alberto Bittar:

"Na concepção moderna da teoria de reparação de danos morais prevalece de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isto, verificado o evento danoso, surge 'ipso facto' a necessidade de reparação, uma vez que presentes os pressupostos de direito" (Reparação Civil por danos Morais - Ed. RT 1993 - p. 202).

Referentemente à fixação dos danos morais, Caio Mário da Silva Pereira leciona:

"O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima" (Responsabilidade Civil, 6ª ed., Forense, 1995, p. 60)

Em casos desta natureza, recomenda-se que o julgador se paute pelo juízo da equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, devendo o quantum da indenização corresponder à lesão e não a ela ser equivalente, porquanto impossível, materialmente, nesta seara alcançar essa equivalência.

O numerário deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, produzindo, nos causadores do mal, impacto suficiente para dissuadi-los de igual procedimento, forçando-os a adotar uma cautela maior, diante de situações como a descrita nestes autos.

O ressarcimento pelo dano moral decorrente de ato ilícito é uma forma de compensar o mal causado, e não deve ser usado como fonte de enriquecimento ou abusos.

In casu, sopesados os critérios que vêm sendo adotados por esta egrégia Câmara, tem-se por bem manter o valor indenizatório ao arbitrado em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), por ser ele capaz de propiciar à vítima satisfação compensadora pelos dissabores que passou.

APELAÇÃO ADESIVA

No apelo adesivo pretende a autora majoração da verba condenatória a danos morais, contudo, diante do entendimento por mim já manifestado, quando da análise do apelo principal, o pedido resta prejudicado.

Com o exposto, nego provimento a ambos os apelos.
Custas dos recursos pelos respectivos apelantes, isentos.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): CLÁUDIA MAIA e NICOLAU MASSELLI.
SÚMULA: REJEITARAM PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. Data da Publicação: 06/07/2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Justiça manda Magazine Luíza informar melhor os consumidores

A Câmara Civil Especial do Tribunal de Justiça, em agravo de instrumento sob relatoria do desembargador substituto Luiz Fernando Boller, manteve em parte liminar proferida pela Vara da Fazenda Pública da Capital que impõe adequações na forma do Magazine Luíza divulgar seus produtos aos consumidores.

A decisão determinou a toda a rede de filiais do Magazine Luiza S/A., em Santa Catarina e nas demais seis unidades da federação em que possui lojas (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás), que, dentro de trinta dias, passe a informar em cada um de seus produtos o preço à vista, total a prazo, número de parcelas, valor das prestações, taxa de juros mensal e demais encargos financeiros, com o uso de letras de tamanho uniforme, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

“A manutenção da propaganda na forma como vem sendo praticada pelo Magazine Luiza S/A. implica inegavelmente em consideráveis prejuízos ao direito de livre escolha do consumidor, este entendido como sendo qualquer pessoa, em seus mais diferenciados níveis de instrução, em especial, porque o destaque para o valor da parcela mensal em detrimento das demais informações anteriormente listadas, estas quando existentes na oferta, que vêm grifadas em letras bem menores (dimensão de 4 mm), por certo gera, para muitos dos interessados – em especial àqueles com visão contextualizada pouco aguçada – uma falsa impressão de preço menor do que aquele que acabarão pagando pela aquisição do produto”, destacou o magistrado.

Boller rechaçou argumentos diversos elencados pela empresa em sua defesa, tais como conexão, continência e incompetência territorial, além do indeferimento de semelhante liminar contra uma concorrente direta. Ele lembrou ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou pela competência da Capital de qualquer dos Estados envolvidos para o exame das causas em que se objetiva o combate a danos de âmbito regional ou nacional praticados em afronta às regras do direito do consumidor, mantendo assim inalteradas as características processuais do litígio.

Com a decisão, afirma o relator, preserva-se o dever legal de anunciar preços de forma clara e compreensível, de modo a não causar confusão ou induzir o consumidor ao erro.
Fonte TJSC Agravo de instrumento nº 2009.036529-5 www.jurid.com.br 22/07/09

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Schering é condenada por comercializar "pílulas de farinha"

Medicamento Ineficaz, chamado "Pílula de Farinha". Relação de consumo. Ausência de excludentes de responsabilidade.

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.
DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível: 2007.001.68915
Apelante: Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda
Apelado: Roselane Alves Vieira e Outros
Relator: Des. Roberto Guimarães
Relator p/ Acórdão: JDS. Desª. Valéria Dacheux

Direito do Consumidor e Processual Civil. Medicamento Ineficaz, chamado "Pílula de Farinha". Relação de consumo. Ausência de excludentes de responsabilidade. Prova da inexistência do nexo causal entre a utilização do medicamento ineficaz e o dano que não foi afastada pela ré, a quem competia tal comprovação, por força da inversão do ônus da prova que se impõe na espécie.

Consumidora que durante nove anos tomou o anticoncepcional sem engravidar, porém no período em que são despejados "placebos" no mercado vem a conceber gêmeos. Princípio da proteção ao consumidor que deve auxiliar na interpretação das regras processuais acerca do ônus da prova. Gravidez inoportuna causa danos à personalidade. Precedentes do E. STJ. Recurso a que se nega provimento. Maioria.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2007.001.68915, em que é apelante Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. e apelados Roselane Alves Vieira, Caio Alves Vieira, e Lara Alves Vieira.

A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Egrégia Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em negar provimento ao apelo, tudo nos termos do voto da JDS. Desª. Revisora, vencido o Des. Roberto Guimarães, relator, que o provia.

Rio de Janeiro, 11 de Maio de 2009.

JDS. Des. VALÉRIA DACHEUX
Relator p/ Acórdão

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível: 2007.001.68915
Apelante: Schering do Brasil Química e Farmacêutica Ltda
Apelado: Roselane Alves Vieira e Outros
Relator: Des. Roberto Guimarães
Relator p/ Acórdão: JDS. Desª. Valéria Dacheux
V O T O
Integra o presente o relatório de fls. 1014/1018.

O recurso é tempestivo, e foi regularmente preparado, consoante atesta a certidão de fl. 981. Estão presentes, ademais, os outros requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual voto no sentido de que o mesmo seja conhecido.

No mérito, a irresignação não vinga.

Cuida-se de demanda em que se discute a responsabilidade civil da empresa-ré pelo fato de terem sido despejadas, no comércio, pílulas anticoncecpcionais ineficazes.

O episódio ficou nacionalmente conhecido como sendo o caso das "pílulas de farinha", tendo surgido inúmeras demandas em todo o território brasileiro que imputavam a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da ingestão do medicamento defeituoso à fabricante, ora apelante.

Inicialmente, a despeito de todo o esforço argumentativo da defesa, inegável tratar-se a relação jurídica em exame como de consumo.

Independentemente de ter havido, ou não, a introdução involuntária do produto - medicamento - no mercado, como se alega, não deixa a ré, ora apelante, de ser considerada uma fornecedora de remédios, já que assim é notoriamente conhecida por toda a população brasileira, como também pelo fato de terem sido colocadas à venda no mercado nacional tanto pílulas com o princípio ativo, como os placebos desprovidos de ação terapêutica, ambos produzidos pela ré.

Vale aqui fazer uma digressão a respeito do quadro fático em que se deu o evento. A empresa, ora apelante, ao testar maquinário que realizaria a embalagem dos medicamentos, produziu uma série de placebos, cuja aparência e armazenamento eram idênticos aos dos medicamentos, salvo no que diz respeito ao número de série.

Entretanto, ao invés de proceder ao descarte eficaz desses placebos, não o fez - e até hoje não se sabe onde ocorreu a falha - que acabou por permitir que milhões de pílulas ineficazes fossem despejadas no comércio.

Ou seja, a empresa ré produziu tanto medicamentos eficazes como ineficazes, despejando ambos no mercado, ou então impedindo que esses últimos não o fossem, já que não adotou padrões de segurança mínimos, exigidos para um fornecedor de remédios.

Como já reconhecidos em diversos outros julgados, inclusive, pela Egrégia Corte de Uniformização, o STJ, "a ré não mantinha um mínimo controle sobre quatro aspectos essenciais da cadeia produtiva, quais sejam: a) sobre os funcionários, pois a estes era permitido entrar e sair da fábrica com o que bem entendessem; b) sobre o setor de descarga de produtos usados e/ou inservíveis, pois há depoimentos no sentido de que era possível encontrar medicamentos no lixão da empresa; c) sobre o transporte de resíduos; d) sobre a incineração de resíduos. E isso acontecia no mesmo instante em que a empresa se dedicava a manufaturar produto com potencialidade extremamente lesiva aos consumidores." (REsp 866636, rel. Min. Nancy Andrighi).

Saliente-se, ademais, que a relação consumerista se dá em razão das partes que a travam, e não do produto objeto da negociação, vale dizer, pouco importa ser o produto colocado no mercado aquele que o fornecedor efetivamente pretendia, bastando que o coloque, ou não adote as medidas eficazes para que o produto defeituoso por ele produzido não entre em contato com a população.

Tratando-se de relação de consumo, aplicáveis à hipótese as normas imperativas do CDC, notadamente os artigos 12 e seguintes, que tratam dos acidentes de consumo, ou seja, os fatos danosos decorrentes da utilização de produtos defeituosos.

Do regramento legal, infere-se que a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, independe de culpa, podendo ser ilidida por fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de terceiro, ausência de nexo de causalidade entre o defeito do produto e o dano, bem como inexistência do defeito, e o fato de não ter colocado o bem no mercado.

A existência do defeito é fato notório e incontroverso. Outrossim, a apelante não logrou êxito, como acima afirmado e já reconhecido por todas as cortes brasileiras, em provar que não colocou o produto em circulação.

No que se referem às demais excludentes, veja-se que o ônus da prova desses fatos, previstos no art. 12, par. 3º, do CDC cabe à empresa, "de vez que o dispositivo afirma que 'só não será responsabilizado quando provar' tais causas." (in, Manual de Direito do Consumidor, Antonio Herman Benajamin, et al, pg. 129).

Não logrou ela êxito, repita-se, em comprovar como os medicamentos ineficazes foram despejados no mercado. Tampouco era de se aplicar a norma do inciso primeiro do acima citado artigo, já que sua ratio consiste na exoneração da responsabilidade do fornecedor por inexistir nexo de causalidade entre o dano e sua atividade. Ora, como no caso há relação causal entre a ineficácia no método de descarte (fase da cadeia produtiva) e o dano provocado, conclui-se por sua inaplicabilidade.

O fato exclusivo da vítima e de terceiro (farmacêutico) também se afasta, uma vez que as embalagens que continham os medicamentos ineficazes eram idênticas àquelas que traziam os eficazes, salvo no que diz respeito ao número de série e validade.

Nos dizeres da Min. Nancy Andrighi "as pílulas-teste foram produzias em perfeita identidade formal com o verdadeiro MICROVLAR."

Diante desse quadro, não se pode exigir do homem médio - a vítima - que proceda a uma análise minuciosa da embalagem do remédio, posto que ao adquiri-lo presume que esteja em boas condições de uso.

Nenhum consumidor, e seria estranho que o fizesse, busca verificar o número de série e/ou validade do medicamento quando acaba de comprá-lo, até porque sua visão aceita o selo metálico e, assim, o identifica como produto válido.

Assim, não sendo exigível esse comportamento do cidadão comum, não se pode falar em fato exclusivo da vítima por não ter verificado a embalagem do medicamento.

Tampouco se pode falar em fato exclusivo da vítima pela utilização do placebo quando já divulgada sua distribuição. Vê-se de fl. 16 e das certidões de nascimento acostadas aos autos que os autores menores foram concebidos em julho de 1998, mês em que se iniciou a divulgação de que os placebos haviam sido colocados à venda.

E mais, ainda que ciente do despejo de placebos no mercado, acreditou a autora que a empresa tivesse cumprido seu dever de recolher os medicamentos ineficazes, como era de se esperar de qualquer fabricante que pauta sua conduta não só na obtenção do lucro, mas também, e antes de tudo, na proteção do consumidor como determina a Constituição Federal (art. 170).

Não se pode falar, tampouco, em fato exclusivo do farmacêutico que vendeu o medicamento ineficaz à autora. Quando muito era ele responsável solidário pelos danos causados, mas nunca o único.

Aliás, o farmacêutico não passa de um comerciante do produto, e como tal não é terceiro em relação a cadeia de consumo, sendo inaplicável à excludente invocada.

Nesse sentido já se pronunciou o E. STJ no aresto já citado "a alegada culpa exclusiva dos farmacêuticos na comercialização dos placebos parte da premissa fática que é inadmissível e que, de qualquer modo, não teria o alcance desejado no sentido de excluir totalmente a responsabilidade do fornecedor".

No que toca ao nexo causal entre o defeito do produto e o dano experimentado pela autora reside a maior controvérsia.

O douto relator entende inexistir prova de sua ocorrência na hipótese. Entretanto, analisando os autos, e a ele rogando todas as vênias, tenho que a solução mais adequada e que atende os anseios de proteção ao consumidor é aquela que o reputa verificado.

Em se tratando de relação de consumo, é possível a inversão do ônus da prova, quando forem verossímeis as alegações, ou hipossuficiente o consumidor.

Este é o quadro dos autos, uma vez que é inegável: i) a comercialização de medicamento ineficaz; ii) a concepção dos menores em época em que esse produto estava no mercado - julho de 1998; iii) o uso regular do medicamento pela primeira autora, consoante atesta seu médico em depoimento prestado à fl. 799.

Assim, diante desse quadro, levando-se em conta que se impõe a inversão do ônus da prova, caberia a ré, ora apelante, demonstrar que a inexistência de nexo de causalidade, ou seja, que a autora não tomou o placebo ao invés do medicamento eficaz.

Não fez ela prova desse fato, uma vez que o depoimento do farmacêutico (fl. 800), não é idôneo o suficiente, já que poderia ser ele responsabilizado por ter colocado o medicamento ineficaz em circulação.

Ora, se assim o é, suas afirmativas são parciais, e não podem ser levadas em consideração pelo juiz, à mingua de prova documental ou quaisquer outros elementos que as corroborem.

Atente-se, ademais, que naquela época a validade e o lote dos medicamentos adquiridos não vinham discriminados nas notas fiscais.

Mostra-se, também, irrelevante o local da compra do medicamento, fato este em que se firma o voto vencido, posto que o que se discute é se houve ingestão do medicamento ineficaz.

Outrossim, não pode comprovar a ré que seu produto não tenha sido distribuído a diversos representantes do Estado do Rio de Janeiro.

A prova pericial tampouco socorre o réu, já que foi realizada três anos após os fatos, não sendo exigível que a autora se recorde com precisão das datas e acontecimentos, especialmente esses fatos tão corriqueiros, como a compra de medicamento de uso regular.

Ademais, o fato de não ter sido apreendida nenhuma cartela de placebo neste estado não leva a conclusão inequívoca de que estes não foram aqui comercializados, já que a apreensão foi por amostragem, e em época posterior ao despejo, quando os medicamentos já podiam ter sido adquiridos e guardados na residência da autora.

Enfim, robusta a prova de que a autora há nove anos tomava o medicamento sem ter engravidado, e que coincidentemente com o derrame no mercado de anticoncepcional ineficaz veio ela engravidar, tenho que o nexo causal entre o defeito do produto e o dano causado está verificado.

É impossível exigir da consumidora que trouxesse aos autos as cartelas das pílulas ingeridas, posto que não se faz comum a guarda de embalagem de remédio utilizado.

Em sentido semelhante do que ora se afirma, o E. STJ, em recente julgado da relatoria da Min. Nancy Andrighi, ententeu que "Por sua vez, além de outros elementos importantes de convicção, dos autos consta prova de que a consumidora fazia uso regular do anticoncepcional, muito embora não se tenha juntado uma das cartelas de produto defeituoso. Defende-se a recorrente alegando que, nessa hipótese, ao julgar procedente o pedido indenizatório, o Tribunal responsabilizou o produtor como se este só pudesse afastar sua responsabilidade provando, inclusive, que a consumidora não fez uso do produto defeituoso, o que é impossível.

- Contudo, está presente uma dupla impossibilidade probatória: à autora também era impossível demonstrar que comprara especificamente uma cartela defeituosa, e não por negligência como alega a recorrente, mas apenas por ser dela inexigível outra conduta dentro dos padrões médios de cultura do país.

- Assim colocada a questão, não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. O acórdão partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da proteção ao consumidor." (REsp 1.096.325/SP. Grifos acrescentados)

Os danos também são evidentes. Não se venha argumentar que a gravidez só pode trazer sentimentos positivos para uma pessoa. Tal raciocínio se mostra cabível quando ela é querida ou até mesmo esperada.

No caso, entretanto, é inegável que a autora optou por não mais ter filhos, passando, desta forma, a fazer uso do Microvlar como meio contraceptivo.

A inserção inesperada no seio dessa família de duas crianças, quando a opção da autora era não mais os ter - tanto que fazia uso do método contraceptivo - causa-lhe frustração e angustia, notadamente por ter, apenas em nove meses, que ajustar toda a rotina da família em função dessas duas novas vidas que integrarão o lar.

Aliás, outro não é o entendimento do STJ que pontua em hipótese semelhante que "O argumento da Schering, da forma irrestrita como está exposto, leva ao paradoxo de se ter uma empresa produtora de anticoncepcionais defendendo que seu produto não deveria ser consumido, pois a maternidade, ainda que indesejada, é associada à idéia de felicidade feminina".

Enfim, frustrada essa opção da mulher de não ter filhos, inegável daí decorrer danos à personalidade.

No que toca ao quantum arbitrado (R$ 15.000,00) este se mostra bastante módico, só não sendo majorado por força do princípio que veda a reformatio in pejus, já que os autores não se insurgiram contra a sentença.

O pensionamento aos infantes também é devido a medida que sua concepção se deu em razão de vícios do produto, que acabou por agravar a situação financeira familiar, diante do inequívoco e inquestionável aumento dos gastos da família, para suprir as necessidades vitais das crianças. Esse decréscimo patrimonial é que é reparado com a indenização concedida.

Enfim, a sentença deu justa solução a lide, levou em consideração o princípio da proteção ao consumidor, e, portanto, não merece qualquer reparo. Outrossim, verifica-se que também está em consonância com a manifestação da Corte Superior de Justiça sobre a questão posta em discussão.

Assim, rogando vênias ao relator, votei no sentido do desprovimento do recurso.

Rio de Janeiro, 11 de Maio de 2009.

JDS. Des. VALÉRIA DACHEUX
Relator p/ Acórdão

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ausência de reclamação administrativa não exime banco da responsabilidade de indenizar


A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Janeiro decidiu que a ausência de reclamação administrativa pelo cliente não exime o estabelecimento bancário de possíveis indenizações por danos morais.


A decisão foi dada num processo em que a autora alegava que teve o seu cartão magnético bloqueado devido à suspeita de movimentações irregulares em sua conta bancária, sendo que, ao comparecer à agencia, a CEF providenciou o desbloqueio erroneamente, causando-lhe um prejuízo de R$ 3.176,37.


A autora propôs a ação judicial pleiteando indenização pelos danos materiais e morais. A sentença do Juizado Especial Federal concedeu a indenização por danos materiais, mas eximiu a CEF do pagamento de danos morais, por entender que a falta de reclamação administrativa deixou a Ré de “mãos atadas para recompor o prejuízo a tempo de minimizar o sofrimento da autora”.


Foi interposto recurso visando o reconhecimento e a indenização do dano moral, provido, por unanimidade, pela 2ª Turma Recursal. Nas palavras da relatora, a Juíza Federal Paula Patrícia Provedel Mello Nogueira, “a ausência de reclamação administrativa pode servir para atenuar a responsabilidade da ré, que, como disse o magistrado, acabou por não ter oportunidade em minorar o desgaste emocional a que se submeteu a autora. No entanto, não deve afastar o dano”. ( Fonte: JFRJ Processo nº 2007.51.67.007599-5/01 www.jurid.com.br 16/07/09)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Serviço de telefonia defeituoso gera indenização



A empresa de telefonia Brasil Telecom S.A. deverá indenizar em R$ 20 mil o proprietário de uma empresa em Rondonópolis (212 km ao sul de Cuiabá) porque os serviços oferecidos não foram executados conforme o proposto. A decisão é da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por entender que como restou comprovado que os serviços de telefonia contratados pelo consumidor não atingiram o esperado, causando danos de grande monta, tornou-se devido o dever de indenizar. A decisão foi unânime.


De acordo com os autos, o apelado, ao mudar de endereço, teria solicitado a transferência dos terminais telefônicos que mantinha junto à empresa de telefonia, quando lhe teria sido oferecido um novo contrato com qualidade superior. Ele teria aceitado o novo contrato e, em conseqüência, feito todo o trabalho de publicidade com a divulgação dos novos números de telefones, além da aquisição dos equipamentos para a instalação do novo sistema. Contudo, este não teria correspondido às expectativas, apresentando vários problemas, como quedas de ligações e perdas parciais de sinais, o que teria prejudicado sua atividade comercial.


Nas razões recursais, a apelante tentou se eximir da responsabilidade aduzindo que não teria dever de indenizar porque os danos supostamente sofridos pela apelada teriam sido decorrentes de caso fortuito e força maior (descarga elétrica), que seriam excludentes de responsabilidade civil, porque não poderia haver dever de indenizar por fatos originados de uma fatalidade.


Contudo, para o relator do recurso, desembargador Jurandir Florêncio de Castilho, a apelada sofreu prejuízo com o novo sistema implantado pela Brasil Telecom ante a instalação de equipamentos de má qualidade e com a apresentação diversos problemas. Além disso, o magistrado destacou o fato de que a apelada buscou de várias formas solucionar o problema junto à operadora, seja por telefonema ou e-mail. A apelada também apresentou laudos que apontaram que a culpa era da empresa de telefonia e não do equipamento.


Ainda conforme o magistrado, restou devidamente comprovado a responsabilidade da concessionária em indenizar e preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, estipulados no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Este artigo estipula que o fornecedor de serviço responde quando o serviço é defeituoso e não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar. O voto do magistrado foi acompanhado pelo desembargador Rubens de Oliveira Filho (revisor) e pelo juiz convocado Paulo Sérgio Carreira de Souza (vogal). Fonte: TJMT Apelação nº 8270/2009 ww.jurid.com.br 14/07/2009).

sábado, 11 de julho de 2009

Justiça garante matricula em universidade a estudante de 15 anos sem conclusão do ensino médio

O juiz Sérgio Divino Carvalho, da 12ª Vara Cível de Goiânia, determinou à Universidade Católica de Goiás (UCG) que efetue a matrícula da estudante Marcela de Oliveira Rady, de apenas 15 anos, no curso de Direito, embora não tenha concluído o segundo grau. A garota, representada pelo advogado Edilberto de Castro Dias, atualmente cursa a terceira série do ensino médio.

Ao conceder a liminar, Sérgio Divino lembrou que o pedido é baseado no artigo 208 da Constituição Federal que - assim como os artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) - garante que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. “A aprovação da requerente no vestibular da instituição de ensino superior demonstra, de forma inequívoca, a sua capacidade devendo, portanto, ser facilitado o seu acesso ao ensino superior”, avaliou, citando a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) como um dos requisitos para deferir o pedido.

O juiz argumentou também que, de acordo com a Lei nº 9.394/96, a classificação em qualquer série ou etapa, com exceção do ensino fundamental, pode se dar independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada. A seu ver, a não concessão da medida poderia causar prejuízos irreparáveis à estudante, uma vez que o prazo para a realização da matrícula se encerraria na quarta-feira (8). FOnte: TJgo

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Professora tem direito a indenizacao por desvio de função

O Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP) concedeu, em parte, o pedido de Isabel Beckman da Silva, onde alegou que, exercendo o cargo de Professor, Classe A, desempenhou funções típicas do cargo de Professor, Classe B. A decisão foi tomada no julgamento de uma apelação cível impetrada pela professora com o objetivo de perceber as diferenças remuneratórias decorrentes do exercício das atribuições de Professor Classe B.

No pedido, Isabel Beckman informou que é professora pública estadual, nomeada para o cargo de Professor Classe A, e com previsão legal para ministrar aulas para turmas de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. Contudo, a mesma esclareceu que desempenhou atividades próprias do cargo de Professor, Classe B, cuja atribuição é lecionar para as turmas de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental.

A mesma declarou que, de 04 de março de 2005 até 21 de julho de 2006, lecionou para as turmas de 5ª a 8ª séries, na Escola Estadual Profª Ruth Bezerra, onde obteve o reconhecimento da Direção da Instituição por seu desempenho. No entanto, a Professora reclamou que o Estado aproveitou-se dos trabalhos efetivamente realizados por ela, uma vez que nunca recebeu remuneração do cargo de Professor, Classe B, superior à do Professor, Classe A.

Em análise, o Relator, Desembargador Mário Gurtyev de Queiróz observou que, apesar do Governo do Estado ter contestado como elemento de prova as declarações da Diretora da Escola Ruth Bezerra, dando conta de que a Professora Isabel Beckman cumpriu a carga horária de aulas semanais nas turmas de 5ª a 8ª séries, a relevância da questionada declaração está na veracidade ou não de seu conteúdo e não na incompetência da subscritora.

Por outro lado, o Relator esclareceu que, diversamente do que insiste em defender o Estado, a questionada declaração é sim documento oficial. Além da presunção de legitimidade, também é dotada da presunção de veracidade. Se assim não fosse, caberia a Secretaria de Educação trazer aos autos a prova da inveracidade, uma vez que detém o controle de freqüência e das atividades dos professores de toda a rede estadual de ensino.

Para o Des. Mário Gurtyev, o simples exercício por Isabel Beckman de atividade típica de cargo diferente daquele para o qual foi inicialmente nomeada, cuja remuneração seja superior à sua originaria, mesmo não possuindo a escolaridade exigida, lhe assegura o direito de receber a diferença vencimental. O Magistrado enfatizou que se assim não fosse, “estaria a Administração Estadual logrando enriquecimento sem causa e injusto”, razão porque determinou que o crédito solicitado seja calculado com base na diferença entre os valores da Classe A, aos quais fez jus durante o período de desvio de função. (Fonte: TJAP www.jurid.com.br 09 jul. 09)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Tribunal condena hospital por problemas durante parto


O Tribunal de Justiça do Rio condenou a Associação de Caridade Hospital de Iguaçu, localizada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a pagar R$ 76 mil de indenização, por danos morais, e R$ 345,00, por danos materiais, a um menor que nasceu com lesões irreversíveis no ombro devido a problemas no parto.

De acordo com o processo, Monique dos Santos, mãe do menor Matheus Santos, não tinha condições físicas adequadas para dar à luz ao filho através de parto normal, porém esse fato não foi levado em consideração pela equipe médica do hospital. Durante o nascimento, Matheus, hoje com 7 anos de idade, teve o braço forçado, o que provocou a paralisia do membro. Segundo o laudo pericial, a seqüela tem caráter irreversível.

"Não obstante o relato de sofrimento de seus genitores na petição inicial, decerto a causa de pedir está intimamente relacionada com o próprio sofrimento da vítima, posto que convive e deverá conviver, por toda a sua vida, com a debilidade permanente de seu membro", explicou o desembargador Celso Luiz de Matos Peres, relator do processo.

Pela decisão da 10ª Câmara Cível do TJ, além dos valores referentes aos danos morais e materiais, Matheus receberá também pensão equivalente a 50% do salário mínimo da data em que atingir 14 anos até completar a maioridade. (Fonte: TJRJ, www.jurid.com.br 07 jul. 2009)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Má prestação em serviço de telefonia celular gera indenização por dano moral

A não solução de defeito no aparelho celular em prazo razoável, prejudicando o consumidor, confere indenização por dano moral. A decisão é do Tribunal de Justiça doMato Grosso, conforme Acórdão abaixo:

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 2004/2009 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA CAPITAL
APELANTE: BRASIL TELECOM S. A. - FILIAL MATO GROSSO
APELADA: AMANDA PRISCILA FERREIRA CAVALCANTE
Número do Protocolo: 2004/2009
Data de Julgamento: 03-6-2009

EMENTA
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR - DEMORA INJUSTIFICÁVEL NA RESOLUÇÃO DE SERVIÇO DEFEITUOSO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - ADEQUAÇÃO COM O GRAU DE CULPA E A CAPACIDADE SOCIOECONÔMICA DAS PARTES - RECURSO IMPROVIDO.

01. Caracterizado que o prazo para a solução do problema extravasou em muito a razoabilidade, impingindo à cliente recorrida uma verdadeira via crucis para a resolução de sua reivindicação, imperiosa a fixação da responsabilidade do fornecedor.

02. Não merece redução o montante indenizatório fixado de acordo com o grau de culpa e a capacidade socioeconômica das partes, constituindo-se desestímulo do ato ilícito e reparando os danos impingidos ao ofendido. Recurso improvido.
APELANTE: BRASIL TELECOM S. A. - FILIAL MATO GROSSO
APELADA: AMANDA PRISCILA FERREIRA CAVALCANTE

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. DONATO FORTUNATO OJEDA
Egrégia Câmara:
Brasil Telecom S.A. interpõe o presente Recurso de Apelação Cível, visando à reforma da r. sentença a quo, proferida pelo Juízo da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital que, na Ação de Indenização por Danos Morais nº 440/2007, proposta por Amanda Priscila Ferreira Cavalcante, condenou a apelante ao pagamento de R$3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, pela demora na solução de um defeito decorrente da aquisição de um cartão para recarga de créditos no telefone celular da recorrida (fls. 53/62).

Defende, nas razões recursais, a ausência de qualquer obrigação reparatória, porquanto o mero dissabor ou irritação descritos na peça vestibular são insuficientes a embasar a pretensão ressarcitória. Alternativamente, postula pela redução da verba indenizatória (fls. 64/70).

Contra-razões ao apelo às fls. 75/81.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. DES. DONATO FORTUNATO OJEDA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Trata-se de Recurso de Apelação manejado contra a r. sentença a quo, que condenou a recorrente ao pagamento de R$3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais, em razão da demora na solução de um serviço defeituoso ofertado pela recorrente, consubstanciado na recarga de créditos para o telefone celular da apelada.

Narra a peça inicial que a recorrida adquiriu um cartão para a inserção de créditos em seu telefone celular, sendo que, ao tentar fazer a recarga, ouviu uma mensagem de que o número digitado estava incorreto.

Expõe, por conseguinte, que ligou três vezes para a central de atendimento da recorrente, não obtendo êxito na inserção dos créditos.

Informada que o problema não poderia ser resolvido por telefone, a apelada dirigiu-se a uma loja da apelante localizada nesta capital, sendo atendida pela gerente do estabelecimento, a qual garantiu que o problema se resolveria em três dias úteis.

Não solucionado o defeito na prestação do serviço, a recorrida mais uma vez ligou para a central de atendimento da apelante, tendo que aguardar mais de quarenta minutos, sem, no entanto, ver sua reclamação solucionada.

Como fundamento ao recurso apresentado, a apelante argumenta que a não inserção dos créditos no telefone da recorrida se deu por sua única e exclusiva culpa e que o modo como foi atendida gerou apenas um mero incômodo, sendo insuficiente para abrigar um pedido indenizatório.

Todavia, a despeito dos fundamentos invocados, tenho que a irresignação da apelante não merece amparo.

Inicialmente, conforme bem assinalado pelo julgador a quo, "a relação contratual entre as partes encontra-se conceituada nos moldes dos artigos 2º e 3º do CDC, não merecendo o tema maiores delongas." (fl. 55)

Neste âmbito, ainda que a recorrente tenha afirmado que solucionou o problema quanto a inserção dos créditos no telefone celular da recorrida, o modus operandi relativo ao atendimento à consumidora extrapolou o justificável, não configurando apenas mero incômodo.

Depreende-se que o prazo para a solução do problema extravasou em muito a razoabilidade, impingindo à cliente recorrida uma verdadeira via crucis para a resolução de sua reivindicação.

Considerando a atual tecnologia empregada nos meios de comunicação e levando-se em conta, ainda, o porte econômico da apelante, a situação ora sob enfoque revela-se injustificável.

Em casos tais, quando caracterizada a má prestação do serviço, imperiosa a fixação da responsabilidade do fornecedor, conforme orienta esmerada jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - TELEFONIA CELULAR - PROMOÇÃO "NATAL CLARO" - RELAÇÃO DE CONSUMO - MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANO MORAL PURO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - JUROS DE MORA - FIXAÇÃO DE OFÍCIO - 1. RELAÇÃO DE CONSUMO - MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - A má prestação do serviço de telefonia móvel se mostra ocorrente quando a operadora de telefonia móvel oferece serviço defeituoso aos seus clientes, o que demonstra a sua conduta ilícita, pois não apresenta a segurança que o consumidor poderia dela esperar, conforme o art. 14, § 1º do CDC. 2. Dano moral puro (...)." (TJRS - APC 70013333018 - 9ª C.Cív. - Relª Desª Marilene Bonzanini Bernardi - J. 23-11-2005)

Sem amparo, igualmente, a irresignação da empresa recorrente quanto ao montante fixado a título de indenização por dano moral, porquanto agiu com acerto o julgador a quo ao arbitrar um valor segundo o grau de culpa e a capacidade sócio-econômica das partes, sopesando, ainda, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso e as conseqüências advindas à apelada.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a r. sentença a quo.
Custas ex lege.
É o voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. A. BITAR FILHO, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. DONATO FORTUNATO OJEDA (Relator), DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS (1ª Vogal) e DES. A. BITAR FILHO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: RECURSO IMPROVIDO, À UNANIMIDADE.
Cuiabá, 3 de junho de 2009.
DESEMBARGADOR A. BITAR FILHO - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR DONATO FORTUNATO OJEDA - RELATOR
Publicado em 22/06/09

quinta-feira, 2 de julho de 2009

STF confirma: Edital de concurso pública vincula candidatos a Administração Pública


Edital relativo a concurso público obriga não só a candidatos como também a Administração Pública. Esse foi o entendimento reiterado pelos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que deram provimento, por unanimidade ao Recurso Extraordinário (RE) 480129, interposto por Shirley Ruth Vicente Neves contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O caso

Shirley inscreveu-se em concurso público, cujo edital previu o ingresso para o cargo de técnico em arquivo na classe D, padrão 4. Foi aprovada e nomeada para tais cargo e classe, porém não foi observado o padrão, tendo ela preenchido vaga para o padrão 1, portanto padrão inferior.

Contudo, o secretário de Recursos Humanos da Secretaria de Administração Federal da Presidência da República editou portaria assinalando que “a nomeação de candidato habilitado em concurso público com vistas ao provimento de cargo público far-se-á sempre na inicial da classe padrão de cada nível”. Conforme o secretário, “os atos de nomeação, baixados na vigência do citado ordenamento jurídico em desacordo com as determinações constantes desta portaria, deverão ser revistos e retificados imediatamente”.

Voto do relator

O relator, ministro Marco Aurélio, proveu o recurso e ressaltou que o edital foi publicado em data anterior ao ato da administração pública. “A glosa seria possível caso houvesse discrepância entre as regras do concurso constantes do edital – que obrigam candidatos e administração pública – e a nomeação verificada ou descompasso entre o que versado no edital e a lei de regência no sentido material e formal”, afirmou.

De acordo com o ministro Marco Aurélio, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que a portaria contraria o parágrafo 1º, do artigo 12, da Lei 8112/90. Segundo este dispositivo, o prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital que será publicado no Diário Oficial União e em jornal diário de grande circulação.

“Em síntese, a modificação ocorrida olvidando-se à previsão do edital de estar o concurso voltado ao preenchimento de cargo no padrão 4 e não no padrão 1, conflita com a disciplina constitucional a direcionar a observância dos parâmetros firmados desde que estes atendam aos requisitos estabelecidos em lei”, concluiu o relator. Assim, o ministro Marco Aurélio proveu o recurso extraordinário para reconhecer o direito da autora de ser nomeada no cargo de técnico de arquivo classe D padrão 4, “satisfazendo-se as diferenças vencidas e vincendas que deverão ser atualizadas com incidência de juros”.

“Simplesmente brincou-se com a cidadã”, disse o relator, comentando que a autora fez o concurso ao acreditar na Administração Pública. “A confiança dos cidadãos em geral na Administração Pública está em jogo. No dia em que nós, cidadãos, não acreditarmos mais na Administração Pública teremos que fechar para balanço”, finalizou.

Ministros acompanham o relator

A Turma acompanhou, por unanimidade, o voto do relator pelo provimento do recurso. “O edital, dizia o Hely Lopes Meirelles, é a lei interna da licitação e dos contratos que é uma forma de competição”, disse a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Ela ressaltou que ao mesmo tempo em que a Administração estabelece regras, como por exemplo, a pontualidade para a realização das provas sob pena de eliminação do concurso, deve cumprir o que o edital dispõe.

“O candidato tem que ser sério, responsável e compenetrado nas regras a serem cumpridas e a Administração pode ser leviana? Pode ela não cumprir? Pode ela alterar regras não em benefício do interesse em público, mas contra?”, indagou a ministra

Para o ministro Carlos Ayres Britto, “o edital - norma regente interna da competição -, uma vez publicado, gera expectativas nos administrados que hão de ser honradas pela Administração Pública. Ela também está vinculada aos termos do edital que publicou”.
(Fonte: STF Processo relacionado RE 480129 www.jurid.com.br 01/07/09)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Justiça proibe Itaú de cobrar taxa de renovação de cadastro

O juiz Carlos Manuel Barros do Souto, do Juizado Especial Cível de Angra dos Reis, anulou a cobrança de tarifas de renovação de cadastro de uma cliente do Itaú. Em audiência realizada ontem, dia 29, ele condenou o banco a pagar R$ 700 de indenização, por danos morais, à aposentada Evanda Ribeiro Lemes, de 66 anos. A cliente também receberá R$ 33, 60, referentes à restituição em dobro das parcelas debitadas duas vezes pelo Itaú de sua conta em 2008. Ainda de acordo com a decisão, o banco está proibido de efetuar a cobrança, sob pena de multa de R$ 500 por cada evento.

Segundo o juiz, a tarifa de renovação de cadastro somente pode ser cobrada quando houver efetiva prestação de serviço. Ele disse que o site do Banco Central (Bacen) define o fato gerador para a cobrança a atualização de dados cadastrais para atendimento da regulamentação acerca da política de 'conheça seu cliente'.

"A tarifa de renovação de cadastro somente pode ser cobrada quando houver efetiva prestação do serviço, não podendo ser cobrada pelo simples decurso de prazo. Assim, fica claro que nem mesmo o Bacen autorizou a cobrança da tarifa em questão, sem que houvesse contraprestação efetiva, o que se coaduna, quase que obrigatoriamente, com os princípios constantes do Código de Defesa do Consumidor", afirmou o magistrado, com base no inciso III da Carta nº 3349/2008 do Banco Central.

Ele disse também que o Itaú não comprova no processo ou sequer alega que houve qualquer contraprestação, deixando fortes indícios de que as cobranças foram realizadas pelo mero decurso do prazo. "Evidente que não pode o banco aproveitar um rol de possibilidade de cobranças de tarifas, e repassá-las ao consumidor, indistintamente, sem certificar-se de estar sendo merecedor de tais quantias", ressaltou.

A aposentada entrou com a ação no Juizado de Angra em março deste ano. Ela questionou a validade da cobrança, realizada na sua conta em duas parcelas, nos meses de novembro e dezembro de 2008, cada uma no valor de R$ R$ 8,40. O Itaú alegou que as cobranças seriam lícitas, conforme autorização da Resolução 3518 e Circular 3371, ambas do Bacen. Os argumentos, no entanto, foram rejeitados pelo juiz. (Fonte: TJRJ Processo nº 2009.003.002516-0 www.jurid.com.br 30/06/2009)