Felipe Epaminondas de Carvalho
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº: 1770. 3. Acumulação entre proventos de aposentadoria e remuneração dos empregos públicos. 4. A condição de inconstitucionalidade dos empregados públicos aposentados e os reflexos nos contratos de trabalho. 5. O serviço público e a preservação do interesse público primário. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo visa esclarecer as dúvidas surgidas recentemente acerca dos reflexos da aposentadoria espontânea na relação jurídica do empregado público com as empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo em vista a Reclamação nº: 8168 interposta pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola do Estado de Santa Catarina (CIDASC).
Em síntese, a CIDASC alega que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconhecendo o direito a reintegração dos empregados desta Estatal que foram demitidos por conta da aposentadoria espontânea, está afrontando o entendimento do Supremo Tribunal Federal externado na ADI 1770. Já houve a concessão de medida cautelar na referida Reclamação para suspender a tramitação dos processos trabalhistas que versam sobre o tema.
O debate jurídico está adstrito a possibilidade ou não de acumulação de vencimentos com proventos da aposentadoria, deixando de lado os questionamentos sobre a extinção do contrato de trabalho, pois, é tema que já foi pacificado no julgamento da ADI 1721 ao declarar inconstitucional o § 2º do artigo 453 da CLT.
2. O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº: 1770
O atrito entre os Poderes (Executivo, Legislativo e o Judiciário) já atravessa os séculos, e é um mal necessário para a evolução de uma sociedade. Montesquieu racionalizou esse "duelo" atribuindo poderes específicos para cada um deles, o que se denominou de principio da separação de poderes. Ao Parlamento ficou a incumbência de elaborar leis a serem aplicadas no âmbito interno do Estado, o Executivo se incumbe a aplicar essas leis em concreto, e o Judiciário se destina a pacificação dos conflitos entre os cidadãos.
Apesar da autonomia que cada poder dispõe em relação ao outro no que tange a sua atividade primordial, todos exercem um controle de constitucionalidade, o que se denominou check in balance.
Porém, o Poder Constituinte Originário escolheu como guardião da Constituição o Judiciário, que, através do Supremo Tribunal Federal, concede a interpretação final do texto constitucional, declarando nulos todos os atos normativos que vão de encontro a ela.
O controle de constitucionalidade exercido pelo Judiciário em face dos atos normativos emanados dos demais poderes (Executivo e Legislativo) teve como marco histórico, em 1803, um caso apreciado pela Corte Americana (Marbury v. Madison), que através do voto do eminente juiz John Marshall abriu as portas para o judicial review (revisão judicial dos atos dos poderes executivo e legislativo). A tese apresentada nesse julgado não era inédita, pois, havia sido tema de artigo publicado anos antes (Federalista nº: 78, em 1788) de autoria de Alexander Hamilton.
No Brasil o controle de constitucionalidade vem expresso desde a Constituição de 1891. A CRFB/88 adotou 02 (dois) sistemas de controle das normas: a) o americano, consistente no controle por via incidental e difuso; b) e o sistema europeu, consistente no controle por via principal e concentrado.
As Ações Declaratórias de Inconstitucionalidades (ADI) estão enquadradas no modelo europeu de controle das normas, e tem suas peculiaridades, tais como: a) processo objetivo, ou seja, não existem partes no processo; b) suas decisões têm como regra efeitos retroativos (ex tunc), gerais (erga omnes), repristinatórios (ou seja, a lei revogada por aquela que foi declarada inconstitucional renasce) e vinculantes.
No caso da ADI 1.770, o STF teve como análise a constitucionalidade do § 1º do artigo 453 da CLT, com redação dada pela Lei nº: 9.528/97, bem como o artigo 11 e seus parágrafos desta mesma lei, que acabou não sendo conhecido o pedido de inconstitucionalidade quanto a este último dispositivo legal, tendo em vista que seus efeitos já tinham se exaurido no tempo.
O § 1º do artigo 453 da CLT tratava exclusivamente da aposentadoria dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, como se denota na transcrição abaixo:
"Art. 473 (...)
§ 1º - Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida a sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constante do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público."
O relator desta ADI 1770-4 foi o Ministro Joaquim Barbosa, que apresentou 02 (dois) argumentos para considerar inconstitucional o dispositivo legal supramencionado: a) é vedada a acumulação de proventos de aposentadoria com vencimentos, a não ser nos casos expressamente previstos na CRFB/88 (arts. 37, XVI e XVII); b) a aposentadoria espontânea não rompe o vínculo empregatício, como ficou definido no julgamento da ADI 1721.
Com o julgamento da ADI 1770, o STF deixou bem claro seu posicionamento quanto à acumulação de cargos e empregos públicos, mesmo que num deles já tenha passado para inativa. Ponto que será detidamente analisado no item seguinte.
3. ACUMULAÇÃO ENTRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA E REMUNERAÇÃO DOS EMPREGOS PÚBLICOS
A acumulação de remuneração de cargos públicos sempre foi muito controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência. No entanto, se tinha uma tendência em inadmitir tal acumulação, comportando apenas algumas exceções desde que expressamente admitidas na Constituição.
Para uma melhor compreensão do tema é mister estabelecer a diferença entre cargo, emprego e função públicas. O cargo público é criado por lei onde se estipula competências para o exercício de atividades no âmbito de pessoas jurídicas de direito público, são os chamados servidores estatutários; Já o emprego público tem natureza jurídica diversa, pois o vínculo entre empregado e pessoa jurídica (que sempre será de direito privado) é estabelecido por contrato regido pelas leis trabalhista, são os chamados servidores celetistas; Por fim, funções públicas são aquelas estabelecidas entre uma pessoa e a Administração Pública Direta ou Indireta, sem vínculo estatutário ou celetista, apesar do regime jurídico que norteia essa relação ser de natureza público-administrativa.
Voltando a questão ventilada no estudo, a vedação a acumulação de remuneração de cargos públicos já era prevista na Constituição de 1946, com a seguinte redação:
"Art 185 - É vedada a acumulação de quaisquer cargos, exceto, a prevista no art. 96, nº I, e a de dois cargos de magistério ou a de um destes com outro técnico ou científico, contanto que haja correlação de matérias e compatibilidade de horário.
Seguindo essa política legislativa, a atual Carta Magna achou por bem estabelecer uma regra de vedação à acumulação de remuneração de cargos públicos, estendendo aos empregos e funções públicas, como podemos perceber nos dispositivos infracitados com a redação que lhe foram dados pela Emenda Constitucional nº: 20/98:
"Art. 37 - (...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;"
Diante do texto constitucional não se pode negar que é extremamente proibido à acumulação de remuneração de cargos públicos com a de outros cargos públicos, bem como com a de empregos e funções públicas, tanto na Administração Direta quanto na Indireta. Ponto que se pacificou sem maiores esforços hermenêuticos.
No entanto, o que suscitou dúvidas entre os juristas foi se tal vedação de acumulação de cargos públicos remunerados persistiria quando o servidor fosse para inativa, acumulando assim, uma aposentadoria com a remuneração decorrente do cargo, emprego ou função pública.
O STF ao analisar o Recurso Extraordinário 163.204-6/SP reiterou seu entendimento no sentido de que o servidor inativo não poderia exercer outro cargo ou emprego público após se aposentar, acumulando assim proventos desta (aposentadoria) com a remuneração daquele (cargo ou emprego público).
O Ministro Joaquim Barbosa, ao proferir o voto na ADI 1770 (tese vencedora), entendeu que a tese da vedação à acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargos públicos ou empregos públicos não está restrita aos servidores estatutários, pois, abrange também aos empregados públicos.
Data máxima vênia, não concordamos com o entendimento estabelecido pelo STF acerca do tema. A Constituição de 1988, após a Emenda Constitucional nº: 20/98, trouxe regra expressa sobre a vedação de acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo, emprego ou função pública, restringindo apenas aos servidores estatutários e militares, como podemos verificar na transcrição do dispositivo constitucional:
"Art. 37 (...)
§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração."
Ora, fazendo uma interpretação a contrario sensu do dispositivo supramencionado podemos concluir que à acumulação de provento de aposentadoria oriunda do regime geral de previdência social e a remuneração decorrente de emprego público não é vedada pela Constituição de 1988.
Ademais, cabe ressaltar que o dispositivo transcrito está vinculado ao mesmo artigo da Constituição (art. 37) em que constam as regras de vedação à acumulação de remuneração de cargos públicos (incisos XVI e XVII do art. 37), devendo ser interpretados de modo a não estabelecer antinomias entre eles e sem criar uma restrição de direito não prevista no texto Constitucional.
Entretanto, olhando pelo aspecto processual a Reclamação nº: 8168 apresentada pela CIDASC tem fundamento, haja vista que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho está afrontando a premissa estabelecida no julgamento da ADI 1770.
Contudo, a presente Reclamação será uma oportunidade para o STF se manifestar sobre um assunto que ficou nebuloso, principalmente após as Emendas Constitucionais nº: 19 e 20, ambas publicadas em 1998 depois da concessão da medida cautelar na ADI 1770, que trouxeram mudanças significativas ao texto Constitucional, denominadas de Reforma Administrativa e Reforma da Previdência.
Até então, o que pode dizer é que o posicionamento do STF é no sentido da vedação da acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração de cargos, empregos e funções públicas, o que gera uma situação de inconstitucionalidade superveniente, não pelo surgimento de um novo texto Constitucional, mas pela interpretação adotada pela Corte máxima do país. Veremos as conseqüências disso no próximo tópico.
4. A CONDIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS EMPREGADOS PÚBLICOS E OS REFLEXOS NOS CONTRATOS DE TRABALHO
"Decisão judicial não se discute. Se cumpre!" Esta é uma frase bem difundida no meio jurídico, e para aqueles que teimam em discuti-la, existem diversos remédios próprios. No caso em questão é a Reclamação.
Seguindo a risca a frase aludida, passamos a analisar os reflexos do julgamento da ADI 1.770 nos contratos de trabalho dos empregados públicos.
Já afirmamos que, com o entendimento do STF no sentido de que é vedada à acumulação entre proventos de aposentadoria (mesmo que oriunda do regime geral de previdência social) com remuneração de empregos públicos, gerou uma situação de inconstitucionalidade superveniente para aqueles que se aposentaram pelo INSS e continuaram trabalhando em seus empregos públicos.
A Constituição é um documento que deve ser sempre defendido por todos, e qualquer situação fática que vai de encontro com seus ditames, deve ser expurgada.
Isso quer dizer que, os servidores celetistas que estão aposentados e continuam trabalhando em suas estatais devem ser demitidos, pois, não podemos virar os olhos diante de uma afronta à Constituição.
No entanto, essa conduta de proteção a Carta Magna não deve ocasionar outras inconstitucionalidades. Assim, casos os empregados públicos sejam demitidos, eles tem direito a todas as verbas trabalhistas decorrente de uma extinção contratual sem justa causa, isso porque a própria Constituição de 1988 veda a despedida arbitrária, como se denota nos preceitos de seu corpo, bem como no ADCT:
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;"
Não se pode entender que os empregados nessa situação se enquadram em alguma das hipóteses do artigo 482 da CLT a ensejar uma demissão com justa causa, como podemos notar:
"Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional."
Esse dispositivo legal apresenta um rol taxativo, não podendo incluir como causa uma conduta não elencada nele, como bem anota o ilustre jurista Mauricio Godinho Delgado, em seu Curso de Direito do Trabalho, Ltr, 6ª edição, pag. 1182:
"o critério taxativo (ou tipicidade legal) faz com que a legislação preveja, de modo expresso, os tipos jurídicos de infrações trabalhistas. Por tal critério, a ordem jurídica realiza previsão exaustiva e formalística das infrações, fiel ao princípio de que inexistiriam ilícitos trabalhistas além daqueles expressamente fixados em lei. Por esse critério, o Direito do Trabalho incorporaria o princípio penal clássico de que não há infração sem previsão legal anterior expressa."
A Administração Pública também não poderia afastar a incidência dos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para justificar uma demissão sem justa causa com ausência de indenização. Tomemos como lição, mais uma vez, as sábias palavras do eminente Maurício Godinho Delgado, que na obra já mencionada teceu o seguinte comentário (pag. 1143):
"A Constituição de 1988 não criou um regime empregatício especial para o Poder Público; o regime regulado pela CLT é exatamente o mesmo, qualquer que seja a natureza jurídica do sujeito de direito que assume o pólo passivo do contrato de trabalho. Se o chamado regime celetista é inadequado para o segmento público (como, sabiamente, percebeu a Constituição de 1988, em seu texto original - art. 39), que este não o adote, fazendo as mudanças que considerar convenientes no regime administrativo próprio a esse segmento (respeitados os parâmetros da jurisdicidade, é claro)" (grifo nossos)
Apesar da passagem transcrita acima se referir a uma crítica a Emenda Constitucional nº: 19/98, que modificou o texto original do artigo 39 da CRFB/88 extinguindo o regime jurídico único para as pessoas jurídicas de direito público (modificação que foi declarada inconstitucional pelo STF posteriormente), a primeira parte do raciocínio do jurista pode ser utilizado ao caso em tela, visto que uma vez adotado o regime celetista para as empresas públicas e sociedades de economia mista, ele deve ser respeitado.
Por fim, nunca é demais lembrar que a Constituição de 1988 adotou como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (incisos III e IV do art. 1º), e a demissão daqueles que estão acumulando proventos de aposentadoria do INSS com remuneração de emprego público por justa causa, ou seja, sem o pagamento das verbas resilitórias devidas, consiste numa afronta a tais princípios.
5. O SERVIÇO PÚBLICO E A PRESERVAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO
A decisão na ADI 1770 não pesa somente sobre os ombros dos empregados públicos que estão acumulando proventos de aposentadoria com remuneração, geram reflexos também na própria pessoa jurídica a qual pertencem.
Dados extra-oficiais anotam que nas empresas estatais existem uma grande massa de empregados aposentados que ainda continuam vinculados aos seus quadros exercendo as funções que foram contratados. Tomemos como exemplo algumas delas: Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) possui 7.236 (sete mil, duzentos e trinta e seis); Caixa Econômica Federal (CEF), conta com 3.514 (três mil, quinhentos e quatorze); Banco do Brasil (BB), com 2.458 (dois mil, quatrocentos e cinqüenta e oito); Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), com 1.887 (hum mil, oitocentos e oitenta e sete); Petrobras, conta com 1.334 (hum mil, trezentos e trinta e quatro).
Todas as empresas citadas acima são Federais e algumas exercem atividades essenciais à população, como no caso dos Correios, outras à própria nação, o que ocorre com a Petrobras.
Diante disso, levando em consideração de que a decisão do Supremo na ADI 1770 colocou esses empregados numa condição de inconstitucionalidade, fazemos as seguintes indagações: Todos os empregados aposentados devem ser demitidos ao mesmo tempo das empresas estatais? Quais as conseqüências para as empresas públicas e sociedade de economia mista oriundas deste ato (demissão)? Existiria alguma maneira da demissão gradativa desses empregados?
A resposta a primeira pergunta é positiva. Todos os empregados que estão acumulando proventos de aposentadoria e a remuneração nos empregos públicos devem ser demitidos no mesmo momento. Isso porque a condição de inconstitucionalidade é para todos nessa situação, independente da função que exerçam junto a estatal. Qualquer discriminação importaria na violação do princípio da isonomia que tem como cláusula geral o caput do artigo 5º da CRFB/88.
No que tange as conseqüências dessa demissão em massa para as empresas estatais, podemos dividi-la em duas vertentes: a) a financeira; b) e a técnica. A conseqüência financeira consistiria no ônus que as empresas estatais teriam que assumir ao demitir seus empregados, haja vista, como já fora salientado, que todos estes tem direito ao pagamento das verbas trabalhistas decorrentes da extinção resilitória do contrato. No caso da ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) essa resilição custaria milhões de reais, pois seriam mais de 7.000 (sete mil) demissões simultâneas.
Olhando pelo aspecto técnico, muitos dos empregados públicos dessas estatais se encontram em situação singular, ou seja, exercem funções extremamente técnicas sem qualquer substituto imediato. Além disso, é praticamente impossível substituir um numero tão elevado de empregados em pouco espaço de tempo, ainda mais se a demissão ocorrer em massa, o que certamente prejudicaria a atividade para qual foi destinada a empresa.
Respondendo a terceira e última indagação, acreditamos que a melhor sair para o caso seria uma demissão gradativa. Melhor dizendo. O primeiro passo a ser tomado por estas empresas estatais é editar uma norma interna informando os empregados que a aposentadoria espontânea ocasiona uma situação de inconstitucionalidade, conforme entendimento do STF, e que tal conduta ensejaria a demissão sumária da empresa.
Em seguida, seria sensato implantar um plano de demissão incentivada (PDI), também chamado de plano de demissão voluntária (PDV), pois, através desse plano poderia a estatal dividir as demissões. Esse plano estaria voltado apenas àqueles que se aposentaram e continuaram na empresa até a data da norma interna orientadora sobre a aposentadoria espontânea.
Desta forma, poderia a empresa extinguir os contratos de trabalho de forma gradativa, o que diluiria os custos dessas demissões e possibilitaria a abertura de concurso público para substituição daqueles que estão saindo, bem como o treinamento adequado desses que estão entrando, sem afetar a atividade de cada empresa.
Essa solução se amolda com os princípios que norteiam as estatais, visto que aquelas que exercem serviços públicos diretamente à população, insculpidos no artigo 175 da Constituição de 1988, como a ECT, não podem ter suas atividades interrompidas, pois, feriria o principio da continuidade do serviço público.
Já as estatais que exploram atividades econômicas e foram criadas com base no artigo 173 da Constituição de 1988, tais como: Serpro, Petrobras e Banco do Brasil, teria justificada a solução apontada (criação de PDV para demissão dos empregados aposentados) porque a criação dessas empresas está atrelada a segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Assim, qualquer conduta que prejudique suas atividades vai de encontro ao princípio do interesse público em sua concepção primária que é bem delineado pelo Ministro Celso Antonio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 22ª edição, pág. 96, in verbis:
"Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representando do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário.
Com efeito, por exercerem função, os sujeitos de Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de seu próprio organismo, qua tale considerado, e muito menos o dos agentes estatais." (grifos nossos)
Em vista desses argumentos, a solução encontrada se amolda aos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública e deve ser adotada com parcimônia, pois, o plano de demissão voluntaria tem que estabelecer regras claras e ter prazo para a disseminação dos empregados aposentados dos quadros da estatal.
6. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto no presente estudo, podemos concluir estabelecendo as seguintes premissas:
1) O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o mérito da ADI 1770, consolidou o entendimento no sentido de que é vedada à acumulação de proventos de aposentadoria (mesmo que oriunda do regime geral de previdência social) com remuneração de empregos e funções públicas;
2) A Reclamação nº: 8186 tem como objeto a suspensão da decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que vai de encontro com o entendimento do STF consolidado na ADI 1770;
3) A Constituição de 1988 (§ 10 do art. 37) somente tem regra expressa vedando à acumulação de proventos de aposentadorias decorrentes do regime próprio de previdência social com remuneração de cargos, empregos e funções públicas, e a interpretação a contrário sensu desta norma constitucional induz a possibilidade de acumulação quando a aposentadoria for oriunda do regime geral de previdência social;
4) Com a decisão do STF na ADI 1770 criou-se uma inconstitucionalidade superveniente, visto que todos os servidores celetistas que se aposentaram e continuaram trabalhando estão afrontando a Carta Magna, e seus contratos de trabalhos devem ser extintos sem justa causa, tendo em vista que o rol do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho é taxativo e deve ser interpretado restritivamente;
5) Os reflexos da decisão do STF na ADI 1770 não recai somente sobre os servidores celetistas, geram conseqüências também para as empresas estatais que tem nos seus quadros empregados aposentados. Desta forma, a melhor solução para resolver a inconstitucionalidade seria a criação de uma norma interna orientando seus empregados quanto aos efeitos da aposentadoria espontânea, bem como um plano de demissão incentivada (PDI) para os empregados que já se encontram nessa situação, estipulando regras claras para a substituição gradativa dentro de um prazo razoável que permita a realização de concurso público e treinamento de novos empregados para as funções essenciais;
Por fim, nunca é demais salientar que o Direito não é uma ciência exata, não contendo nada absolutamente certo ou errado, e é isso que provoca fascínio em uns e deixam outros intrigados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª edição, 2006.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 6ª edição, 2007
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativol. São Paulo: Editora Atlas, 18ª edição, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 22ª edição, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira (e outros autores). Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª Edição, 2008.
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* Felipe Epaminondas de Carvalho é Advogado no Rio de Janeiro. Sócio fundador do Escritório Carvalho, Bastos & Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e Previdenciário. In www.jurid.com 25 ago 2009. Acesso em 26 ago 2009.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Aposentadoria espontânea e os reflexos sobre os empregados públicos
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