29/04/2009 17:19
Gladson Angeli
A Justiça Federal condenou, na terça-feira (28), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) a indenizar em cerca de R$ 700 mil a família de um paciente que foi vítima de um erro médico no Hospital de Clínicas (HC). Marino Finetti Neto, 26 anos, foi submetido a uma cirurgia no coração e morreu uma semana depois. O exame de necropsia encontrou uma gaze esquecida dentro do coração da vítima. A Universidade, administradora do hospital, ainda pode recorrer da decisão.
De acordo com os autos, Neto procurou o HC em janeiro de 2003 para uma consulta e foi constatado um problema congênito no coração. Um mês depois, em 26 de fevereiro, ele foi submetido a uma cirurgia. O paciente chegou a receber alta no dia 7 de março, mas teve uma crise antes de sair do hospital. Neto foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não resistiu e morreu. De acordo com a necropsia, foi encontrada uma gaze na parede inferior do coração.
O juiz Federal Substituto Vicente de Paula Ataide Junior, da 5ª Vara Federal de Curitiba, entendeu que a gaze deixada no interior do coração do paciente foi negligência do cirurgião. O laudo pericial apontou que o corpo estranho contendo sangue favoreceu o crescimento de bactérias na vítima. “Para mim, é absolutamente claro que a causa direta e determinante da morte foi o esquecimento da gaze no interior do coração de Marino, ou seja, foi o erro médico que matou o paciente”, afirma o juiz no despacho.
A universidade deverá indenizar a mulher da vítima que na época estava grávida, e seu filho menor, com pagamento de pensão mensal de dois salários mínimos, sendo que 50% será da criança até que complete 25 anos, e 50% da companheira até a data que a vítima completaria 65 anos de idade. O juiz condenou, ainda, a UFPR ao pagamento de indenização por danos morais aos dois autores e à mãe da vítima. Cada um deve receber R$ 232,5 mil.
A UFPR informou que ainda não foi notificada oficialmente sobre a decisão e por isso não comentaria o caso.
(Fonte:
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo. Acesso em 30 abril 2009).
Leia na íntegra a sentença:
Morte de paciente do HC, por gaze deixada em seu coração após cirurgia, gera indenização.
AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2004.70.00.025393-1/PR AUTOR: MARINO RAPHAEL CECCON DA SILVA FINETTI ADVOGADO: ALEXANDRE MARTINS :FERNANDO CEZAR VERNALHA GUIMARÃES :JORGE DURVAL DA SILVA :ALESSANDRO RAVAZZANI :PATRÍCIA ROHN RAVAZZANI :PAULO ROBERTO LOPES AUTOR: CAMILA RAFAELA CECCON DA SILVA :MAURA RODRIGUES FINETTI ADVOGADO: ALEXANDRE MARTINS RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ADVOGADO: LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA
SENTENÇA
1. RELATÓRIO
MARINO RAPHAEL CECCON DA SILVA FINETTI, qualificado às fls. 2 e 338-339, menor absolutamente incapaz representado por sua mãe, Camila Rafaela Ceccon da Silva (fls. 304-305), CAMILA RAFAELA CECCON DA SILVA, qualificada à f. 3, e MAURA RODRIGUES FINETTI, qualificada à f. 2, todos por intermédio de advogados constituídos (fls. 39-41 e 304-305), postularam, de início, a condenação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, do Hospital de Clínicas da UFPR, de Roberto Gomes de Carvalho, de Carlos Valesi e de Marcelo Gameto, ao pagamento de indenização pela morte de Marino Finetti Neto, pai do primeiro autor, companheiro da segunda autora e filho da terceira autora, de forma a abranger os danos morais e os danos materiais, esses últimos através de pensão que corresponda a 80% dos rendimentos do falecido para os dois primeiros autores e 20% desses rendimentos para a terceira autora. Como causa de pedir, afirmaram que, em 21 de janeiro de 2003, Marino Finetti Neto procurou o Hospital de Clínicas da UFPR para uma consulta, oportunidade que foi constatado um problema congênito no seu coração, especificamente na válvula tricúspide, o que exigiria intervenção cirúrgica; a cirurgia foi realizada no dia 26 de fevereiro do mesmo ano; que durante sua permanência no hospital, teve problemas como febre e dores do peito, mas os médicos diziam que era normal e que o paciente se recuperava bem; que houve alta hospitalar, em 07 de março de 2003, porém, nesse mesmo dia, antes mesmo de sair do hospital, Marino Finetti Neto teve uma crise, que o levou à UTI, vindo a falecer às 20h daquele dia; que, após o exame necroscópico, foi constatada a presença de um "corpo estranho", uma gaze, sobre a parede inferior do coração, o que levou, segundo os autores, à septicemia que lhe causou a morte. Acusando os réus pela morte de Marino Neto, os autores pretendem receber indenização pelos danos materiais e morais. Juntou documentos. Aos autores foi concedida a Justiça Gratuita (f. 134). Pela decisão de fls. 134-135, foram excluídos da lide os réus Hospital das Clínicas (que faz parte da UFPR), Roberto Gomes de Carvalho, Carlos Valesi e Marcelo Gambeto, mantendo-se apenas a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ no pólo passivo. Citada (f. 137), a UFPR apresentou contestação, suscitando a preliminar de ilegitimidade ativa, argumentando que Marino Raphael Ceccon da Silva não está registrado como filho do falecido; que Camila Rafaela Ceccon da Silva não comprovou união estável; e que Maura Rodrigues Finetti não comprovou dependência econômica. No mérito, afirmou que Marino Neto tinha problemas cardíacos, tendo sido operado com sucesso no Hospital de Clínicas; que faleceu em 07/03/2003, sem ter recebido alta hospitalar; que a gaze encontrada no coração era esterilizada, não podendo dar causa à septicemia que vitimou o paciente; que a gaze não poderia gerar a septicemia em tão pouco tempo; que o fato do falecido ser usuário de drogas pode ter contribuído para o evento fatal; que todos os cuidados médicos foram destinados ao paciente, não podendo a autarquia ser responsabilizada; que não há prova suficiente da renda do falecido para dar base à pensão pretendida. Dentre outros documentos, juntou cópias do prontuário do paciente falecido. O Ministério Público Federal foi intimado e emitiu parecer pela rejeição das preliminares arguidas (f. 269 verso). Roberto Gomes de Carvalho requereu sua admissão no feito como assistente litisconsorcial (fls. 270 e 308-310), o que foi indeferido (f. 311), em decisão que se sujeitou a agravo de instrumento (fls. 313-325), ao qual foi negado provimento (fls. 355-360). Houve réplica (fls. 275-292), oportunidade em que os autores requereram a decretação da revelia da UFPR por intempestividade da contestação. O Ministério Público Federal requereu a regularização da representação do autor menor (f. 301), o que foi atendido às fls. 304-305. As partes postularam a produção da prova testemunhal (fls. 328 e 329-330). Em audiência preliminar (f. 337), a conciliação não foi possível; foi determinada a abertura de vistas ao MPF. Pela decisão de fls. 341-342 foi determinada a produção da prova pericial; as partes apresentaram seus quesitos (fls. 345-348 e 349-351); o MPF não apresentou quesitos (f. 352); pela decisão de f. 353-354 foi indeferido o quesito 12 da UFPR e foram apresentados os quesitos do Juízo. O laudo pericial veio às fls. 363-376. Foram apresentados quesitos suplementares (fls. 379-382 e 384-385), os quais foram respondidos pela Perita oficial às fls. 390-395 e as partes intimadas (fls. 396 verso). O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência parcial do pedido (fls. 398-403). O feito foi convertido em diligências para que os autores produzissem prova documental sobre os rendimentos do falecido (f. 404). A documentação foi apresentada às fls. 407-409, contra a qual se manifestou a UFPR às fls. 412-414. À f. 415 foi determinado ofício à Receita Federal para pesquisa dos rendimentos do falecido, o que foi atendido à f. 417, contra o que novamente se manifestou a UFPR (fls. 418-419), levando o juízo ao despacho de f. 420, para ordenar a pesquisa do cadastro do falecido junto à DATAPREV e a intimação dos autores para juntar a via original da CTPS do de cujus. Consulta à DATAPREV às fls. 421-423; petição dos autores informando que a original da CTPS encontrava-se em autos de processo judicial perante a 4ª Vara Federal de Florianópolis (f. 425); em atendimento a ofício expedido (f. 428), a 4ª Vara Federal de Florianópolis encaminhou cópia da CTPS original contida nos autos (fls. 429-443). Às fls. 445-447 está a cópia da sentença de improcedência proferida no incidente de falsidade proposto pela UFPR. Pelo despacho de f. 448, determinou-se os depoimentos pessoais de Camila Rafaela Ceccon da Silva e de Maura Rodrigues Finetti. Na audiência de instrução e julgamento, não houve conciliação; houve a fixação dos pontos controvertidos; foram colhidos os depoimentos pessoais das autoras, conforme termos; as autoras, por seu advogado, ratificaram o contido nos autos; a UFPR, por seu procurador federal, deduziu suas alegações finais de forma oral, reiterando a preliminar de ilegitimidade ativa e defendendo a improcedência integral dos pedidos. Sentença proferida em audiência, conforme fundamentação abaixo.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Preliminares 2.1.1.
Ilegitimidade ativa - A UFPR alegou, como defesa processual, a ilegitimidade ativa, argumentando que Marino Raphael Ceccon da Silva não estava registrado como filho do falecido; que Camila Rafaela Ceccon da Silva não comprovou união estável; e que Maura Rodrigues Finetti não comprovou dependência econômica. A legitimidade ativa de Marino Raphael Ceccon da Silva restou superada em face da juntada da certidão de nascimento de f. 339, na qual aparece como filho de Marino Finetti Neto, passando a se chamar Marino Raphael Ceccon da Silva Finetti. Pela mesma razão, dada a existência de filho em comum, fica caracterizada a união estável e a legitimidade ativa de Camila Rafaela Ceccon da Silva. Acrescento que Camila estava grávida, esperando o nascimento de Marino Raphael (primeiro autor), quando houve o falecimento de Marino Finetti Neto no Hospital de Clínicas. Ademais, os depoimentos pessoais colhidos em Juízo deixaram claro que Marino e Camila tinham a intenção de constituir família em função da união que mantinham, inclusive sob mesmo teto, na cidade de Florianópolis. Quanto a Maura Rodrigues Finetti, a inicial afirma que o falecido a auxiliava com 20% de seus rendimentos (f. 23). Considerando que Maura era mãe do falecido (f. 45), resta presente sua legitimidade ativa para pleitear indenização por danos morais. Quanto à indenização por danos patrimoniais, através de pensão mensal, tenho que é suficiente, para analisar a preliminar de carência de ação, as afirmações de dependência econômica existentes da petição inicial. A efetiva existência da dependência econômica será objeto da análise de mérito, para aferir o cabimento ou não da referida pensão. Por esses fundamentos, rejeito a preliminar da UFPR. 2.1.2. Revelia da UFPR Os autores, na impugnação à contestação (fls. 275-276), alegaram que a contestação da UFPR, mesmo com prazo quadruplicado (art. 188, CPC), é intempestiva, devendo ser reconhecida sua revelia. Não procede a alegação, pois o início do prazo para contestar não se inicia da carga dos autos, mas da data em que ocorreu a juntada do mandado de citação cumprido (art. 241, II, CPC). Como esta juntada se deu em 24/01/2005 (f. 136 verso), a contestação é tempestiva, pois protocolizada em 07/01/2005 (f. 138). Para ilustrar: PROCESSO CIVIL. PRAZO. CONTAGEM. Nos casos do art. 241, I e II do CPC, o termo "a quo" do prazo é o da juntada aos autos do aviso de recebimento ou do mandado cumprido, e não o da data em que a juntada é anotada no sistema informatizado mantido pela Justiça Federal. O sistema de informatização não cria, para a administração judiciária, o dever de manter rigorosa e diariamente atualizado o andamento do processo. A eventual demora não é causa de suspensão de prazos e muito menos dispensa a parte do atendimento dos prazos fixados pelo Código de Processo. (TRF4, 3ª Turma, AG 2000.04.01.021464-1-RS, Rel. Des. Fed. Teori Albino Zavascki, j. 11/5/2000, DJ 05/7/2000) Rejeito a preliminar dos autores. 2.2. Mérito Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo a analisar o mérito da causa. Como as partes, em audiência de instrução, não requereram a produção de outras provas, passo a decidir a causa com o acervo probatório constante dos autos. 2.2.1. Responsabilidade civil da UFPR Parto dos fatos incontroversos. Primeiro: Marino Finetti Neto, com 26 anos de idade, foi internado no Hospital de Clínicas da UFPR para cirurgia visando a corrigir insuficiência valvar aórtica e mitral, possivelmente congênita. Segundo: a cirurgia cardíaca foi realizada em 26/02/2003, no Hospital de Clínicas, pelo médico-cirurgião Roberto Gomes de Carvalho, assistido pelos médicos Marcelo Gambeto, Carlos Valesi e Joatair (prontuário, f. 179). Terceiro: nove dias após a cirurgia, Marino Finetti Neto subitamente passou mal e teve parada cardiorrespiratória, entrando em óbito às 20h do dia 07/03/2003 (f. 165). Quarto: no exame necroscópico, realizado no dia 08/03/2003, no próprio Hospital, foi encontrado um "corpo estranho (gaze) sobre a parede inferior do coração de Marino, próximo à entrada da VCI no átrio direito, entre o epicárdio e o pericárdio parietal e aderida a este." (f. 167). Quinto: a causa da morte foi septicemia e complicações correlatas (fls. 77 e 145). Diante desses fatos incontroversos, uma conclusão inicial é lógica: o cirurgião, agente da UFPR, de forma negligente, deixou uma gaze no interior do coração de Marino Finetti Neto. Esse fato é evidente, ante a comprovação do laudo de necropsia. Não se pode negar que o cirurgião cometeu um erro médico ao "esquecer", no interior do coração do paciente, um pedaço de gaze. A questão debatida durante o processo é: se esse erro médico evidente - deixar a gaze no coração - deu origem à septicemia aguda que fulminou Marino Neto, nove dias depois da cirurgia. Trata-se da discussão sobre o nexo de causalidade para definir o ato ilícito. Pelos elementos colhidos no processo, e especialmente pela prova pericial produzida, estou convencido que o erro médico de deixar a gaze no coração, se não foi a causa exclusiva, foi uma das causas da morte de Marino Finetti Neto. É claro que o fato de Marino ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica cardíaca o deixou mais suscetível a riscos de vida, inclusive através de infecções. Mas esse argumento não me impressiona, pois, segundo o relatório de f. 155, Marino estava prestes a receber alta hospitalar, quando iniciou o quadro sintomático que o levou a óbito (no mesmo sentido o laudo pericial - quesito 14, f. 367). A cirurgia cardíaca, portanto, foi considerada bem sucedida. O relatório de alta de f. 155 sugere, na sua parte final, que Marino seria usuário de cocaína, o que parece confirmado pelo laudo necroscópico, nos achados secundários, de f. 78 (granulomas de corpo estranho pulmonares - antecedentes de uso de cocaína). Mas em nenhum momento se apresentou qualquer confirmação técnica de que o uso anterior de drogas tenho sido determinante para o evento morte. Aliás, acrescente-se, em seus depoimentos pessoais, as autoras Camila e Maura negaram que Marino fosse usuário de drogas. Concordo com a Sra. Perita que a septicemia de vitimou Marino teve várias "concausas": o paciente era portador de doença cardíaca congênita, foi submetido a cirurgia cardíaca e tinha histórico de uso de drogas (cf. quesitos 8 [f. 365], 2.6 [f. 372], 9 [f. 375], f. 394). Mas a Sra. Perita Oficial, Dra. Hildegard Taggesell Giostri, em conhecido trabalho doutrinário (Erro médico à luz da jurisprudência comentada, Curitiba: Juruá, 2004, p. 71), já defendeu que "o fato de o paciente já estar com seu estado de saúde razoavelmente comprometido só isentará o médico de culpa - em caso de seqüela ou óbito - se ficar comprovado que ele levou em conta o estado de morbidez apresentado por seu cliente fazendo tudo o que estava a seu alcance, e que o desfecho não exitoso se deu por mera ingerência e evolução da inexorável curva biológica." Para mim, é absolutamente claro que a causa direta e determinante da morte foi o esquecimento da gaze no interior do coração de Marino, ou seja, foi o erro médico que matou o paciente. Apoio-me no laudo pericial. No quesito 9 (f. 365), a perita afirmou que "no caso em comento, primeiramente, a gaze estava alojada na parte inferior do coração, portanto não poderia sair dali pelas vias fisiologicamente normais. Por segundo, tratava-se de um corpo estranho, de material diferente dos metais e silicones ou outro material inerte que, normalmente, são bem aceitos pelo organismo. Por terceiro, uma gaze contendo sangue é um excelente meio de cultura para que bactérias ali se desenvolvam. Assim um material esquecido dentro do organismo pode se manter inócuo e não prejudicar seu portador. Como pode, também, favorecer uma infecção, ficando esta consequência na dependência do material do qual é composto, do local onde ficou esquecido e do elemento com o qual tinha contato (no caso, sangue, um material altamente bacteriotrópico)" (acrescentei os negritos ao original). Caiu por terra a tese defendida pela UFPR de que a septicemia não poderia ser causada pela gaze, por se tratar de material esterilizado (contestação, f. 145). Era esterilizada, até ficar alojada, com sangue, no interior do coração de Marino, por ato de negligência médica, quando se tornou meio de cultura de bactérias! E não é preciso ser técnico para imaginar esse excelente meio de cultura de bactérias dentro coração: uma bomba de pressão jogando bactérias por todo o corpo, já debilitado, de Marino Finetti Neto! Não causa estranheza o resultado do laudo de necropsia, apontando a degeneração interna do corpo de Marino em função da septicemia aguda. Convenço-me, com tranquilidade, que foi comprovado o nexo causal entre a ação médica negligente (esquecer a gaze no coração) e o resultado morte do paciente, gerando os danos morais aos autores da ação. Essa minha tranquilidade também tem amparo na autorizada doutrina de MIGUEL KFOURI NETO, segundo a qual, "os juízes devem dirimir as questões ligadas à causalidade guiando-se por critérios que, em cada caso, levam à decisão mais justa, ponderando todas as circunstâncias, em vez de aplicar teorias abstratas" (Responsabilidade civil do médico. 6 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 109). Assim posto, reconheço que a UFPR, por ato de seus agentes, praticou o ato ilícito afirmado, devendo arcar com as conseqüências da sua responsabilidade civil. 2.2.2. Valor da indenização 2.2.2.1. Pensão alimentícia Conforme ensina MIGUEL KFOURI NETO, amparado no art. 948 do Código Civil, "no caso de erro profissional em que resultar morte do paciente, a indenização consistirá nas despesas de tratamento que tenho tido o falecido, seu funeral, luto da família, assim como nos alimentos a quem a vítima devia, sem excluir outras reparações" (mesma obra, p. 113, com negrito acrescido). À época do óbito (07/03/2003), Marino Finetti Neto tinha renda mensal de R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme anotações de sua CTPS (f. 435), as quais foram objeto de discussão no incidente de falsidade ideológica e declaradas autênticas por sentença (fls. 445-447). Tais anotações constam do CNIS da Previdência Social (fls. 421-422), não havendo motivos para serem desconsideradas. Mas, ao contrário da pretensão dos autores, "dos rendimentos auferidos pelo chefe de família, um terço é consumido com suas próprias despesas. A pensão mensal, portanto, será de dois terços da renda comprovada da vítima, na data do evento" (cf. MIGUEL KFOURI NETO, mesma obra, p. 137, com negrito acrescido). Adotando esse critério doutrinário, a pensão mensal, em 07/03/2003, data do óbito, seria de R$ 400,00 (2/3 de R$ 600,00); como o salário-mínimo, à época, era de R$ 200,00 (MP 35/2002, DOU 28/3/2002), pode-se dizer que a pensão devida, a partir do óbito, é de dois salários-mínimos. Quem tem direito à pensão mensal? Inegavelmente, o filho menor do falecido, o autor MARINO RAPHAEL CECCON DA SILVA FINETTI, o qual deverá receber metade da pensão mensal (um salário-mínimo), da data do óbito (07/03/2003), até atingir 25 anos, ou seja, até a data de 07/06/2028 (f. 339), quando, presumivelmente, terá completado sua formação profissional, que o habilitará a ter rendimentos próprios, compatíveis com a sua dignidade humana, conforme é o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região: ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. FALECIMENTO DO MARIDO E PAI. DEFEITOS NA PISTA DE ROLAMENTO. BURACOS. NEXO CAUSAL. DANOS CONFIGURADOS. PENSIONAMENTO. FILHOS. IDADE. TERMO FINAL. 1.- A Lei nº 10.233/01 criou o DNIT, autarquia que detém as atribuições atinentes às atividades de transporte e rodovias, sucessora do DNER. 2.- É possível a utilização de prova emprestada que, quando colacionada aos autos, transforma-se em prova documental, sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 3.- O termo final do pensionamento mensal devido aos filhos do de cujus é a idade de 25 anos, data em que, presumivelmente, terão completado sua formação profissional. (TRF4, 3ª Turma, AC 200770130004117, Rel. Des. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 10/9/2008) A outra metade (um salário-mínimo) será recebida por CAMILA RAFAELA CECCON DA SILVA, companheira do falecido, da data do óbito até a data em que este completaria 65 anos de idade, que é o tempo de vida média do brasileiro, ou seja, até a data de 14/08/2041 (f. 45), a não ser que, antes disso, a viúva contraia núpcias ou passe a viver em união estável com outra pessoa. A expectativa de vida em 65 anos continua vigorando na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE EMPREGADO DA CARROCERIA DE CAMINHÃO DURANTE A JORNADA DE TRABALHO. DEMANDA DIRIGIDA CONTRA EMPRESAS PREPONENTE, O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO E CONTRA O SEU MOTORISTA. ILEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA AD CAUSAM. CULPA DOS RÉUS. EXTENSÃO DO PENSIONAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - Pretensão de reexame de matéria probatória inadmissível em sede de recurso especial (súmula nº 07-STJ). - "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto" (súmula nº 341-STF) - Responsabilidade atribuída ao proprietário do caminhão, não só pelo dever de guarda que lhe incumbe, mas também por ser o sócio-titular da empresa preponente. - Segundo a jurisprudência do STJ, o pensionamento dos beneficiários da vítima deve perdurar até a data em que esta, se viva fosse, completaria 65 anos. - Manutenção da obrigação de constituir capital que assegure aos pais do ofendido a renda mensal fixada na decisão recorrida. Alegação de idoneidade econômico-financeira da empresa ré dependente da análise do quadro probatório. - Honorários corretamente arbitrados em face da reduzida sucumbência dos autores. Recurso especial não conhecido. (STJ, 4ª Turma, Resp 132473, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 21/8/2000, negrito acrescido)
O fato, revelado na audiência de instrução e julgamento, de que Marino Raphael e Camila começaram a perceber, após decisão judicial, pensão previdenciária do INSS, por morte de Marino Finetti Neto, não influencia em nada o recebimento da pensão por ato ilícito, porque tais pensionamentos, tendo pressupostos e naturezas distintos, podem ser cumulados. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, baseada na súmula 229 do STF:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO. ACIDENTE DE TRABALHO. MORTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 1.518, 1.521 E 1.522, DO CC/1916, 18, II, A, DA LEI 8.213/91, E 460 DO CPC. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. MÉRITO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 896 E 1.523 DO CC/1916. REAPRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. INADMISSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE INDENIZAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO (PENSÃO POR MORTE). POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. É inadmissível a suposta ofensa aos arts. 1.518, 1.521 e 1.522, do CC/1916, 18, II, a, da Lei 8.213/91, e 460 do CPC, por falta de prequestionamento (Súmulas 282 e 356 do STF). 2. O Tribunal de Justiça, com base nos fatos e provas, concluiu que: (I) foram comprovados o ato lesivo, o dano moral e o nexo de causalidade; (II) restou caracterizada a omissão - negligência - do recorrente, pela ausência de fiscalização da execução da obra; (III) o recorrente não demonstrou a culpa exclusiva da empreiteira; (IV) os valores fixados a título de indenização por danos morais e materiais (pensão mensal) são razoáveis e proporcionais à lesão. 3. Não se conhece da suposta ofensa aos arts. 896 e 1.523 do CC/1916, porque o julgamento da pretensão recursal, para fins de se afastar a condenação ou reconhecer a culpa exclusiva da empreiteira, pressupõe, necessariamente, o reexame dos aspectos fáticos da lide - notadamente para descaracterizar o ato lesivo, o dano, o nexo causal, ou afastar a responsabilidade solidária do recorrente -, atividade cognitiva vedada nesta instância especial (Súmula 7/STJ). 4. Demonstrada a culpa concorrente, há possibilidade de responsabilização solidária do Poder Público e do empreiteiro privado contratado mediante licitação. 5. É possível a cumulação de pensão mensal em razão de ato ilícito com o benefício pago pelo instituto previdenciário (pensão por morte de segurado). Aplicação da Súmula 229/STF. 6. A falta de similitude fática entre os julgados confrontados inviabiliza o conhecimento da divergência jurisprudencial, pois não atende aos requisitos legais (CPC, art. 541, parágrafo único; RISTJ, art. 255). 7. Recurso especial não-conhecido. (STJ, 1ª Turma, Resp 687486-SC, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 04/12/2006) A autora MAURA RODRIGUES FINETTI, mãe do de cujus, não receberá cota da pensão mensal, pois não conseguiu provar, de forma suficiente, que, à época dos fatos, dependia economicamente do filho. Ela trabalhava como merendeira da Prefeitura de Pinhais e recebia pensão por morte de seu marido. Aliás, hoje, é aposentada da Prefeitura e continua a receber a pensão por morte do marido. Portanto, tinha e tem renda própria suficiente. Não há qualquer início de prova material que possa dar guarida à afirmação de dependência econômica. Creio que Marino até mesmo ajudava a mãe com dinheiro. Mas esse auxílio eventual, sem valor definido, não me é suficiente para reconhecer a dependência econômica e para impor a obrigação de pensionar à UFPR. As prestações vencidas da pensão mensal de dois salários-mínimos, desde a data do óbito, devida aos dois primeiros autores, serão corrigidas, pelo INPC, desde a data do vencimento de cada parcela, e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês (cf. art. 406 do Código Civil), desde a data do óbito, conforme súmula 54 do STJ. Após a implementação em folha de pagamento, as prestações vincendas serão reajustadas de acordo com a variação do salário-mínimo, conforme autoriza a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região: INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. CABIMENTO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. EVENTUAL SUPERVENIÊNCIA DE INVALIDEZ. DIREITO A PENSIONAMENTO VITALÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A teoria do risco administrativo, agasalhada pelo art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal exige, para a sua configuração, a demonstração do nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela Administração e o dano provocado a terceiro, prescindindo-se da demonstração de culpa do agente, a qual, não obstante, encontra-se comprovada nos autos. 2. É perfeitamente aceitável a denunciação à lide do agente público, quando o Estado é demandado em razão de conduta praticada por aquele. Em nome do princípio da economia processual tal prerrogativa é concedida à União, que dela se utiliza de acordo com o seu interesse. 3. A indenização constitui reparação do prejuízo irrogado ao titular. Têm legitimidade para pleiteá-la aqueles que se apresentam como atingidos pelo evento danoso. A mulher que dispensou, no acordo de separação judicial, prestação de alimentos, conserva, não obstante, o direito à pensão decorrente do óbito do marido, desde que comprovada a necessidade do benefício. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida. 4. No Direito Brasileiro a fixação do quantum devido a título de indenização por dano moral ficou entregue ao prudente arbítrio do juiz, o qual, por sua vez, levará em conta o grau em que o prejuízo causado terá influído no sentimento daquele que pleiteia a reparação, bem como as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso. 5. Eventual superveniência de invalidez permanente é evento incerto, sendo impossível a concessão de pensão indenizatória em caráter vitalício fundamentada em fato ainda inexistente. 6. Os juros moratórios são cabíveis também com relação ao montante fixado a título de indenização por danos morais, a teor da Súmula nº 54 do STJ. 7. O salário-mínimo pode ser utilizado como coeficiente de correção monetária das verbas indenizatórias. (TRF4, 3ª Turma, AC 1999.04.01.002887-7, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 11/10/2000, negrito acrescido) Por fim, tratando-se de pensão decorrente de ato ilícito, reconheço de direito de acrescer, de forma a garantir o direito de reversão recíproca, quando cessado o pagamento em relação a uma delas. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL, ESPOSO E PAI DOS AUTORES. DANO MORAL. FIXAÇÃO. MAJORAÇÃO. DIREITO DE ACRESCER ASSEGURADO. DESPESAS DE FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE DA VERBA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. DESNECESSIDADE DE PROVA DA SUA REALIZAÇÃO. NATUREZA. HONORÁRIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. I. Dano moral aumentado, para amoldar-se aos parâmetros usualmente adotados pela Turma. II. O beneficiário da pensão decorrente de ilícito civil tem direito de acrescer à sua quota o montante devido a esse título aos filhos da vítima do sinistro acidentário, que deixarem de perceber a verba a qualquer título. Precedentes do STJ. III. Desnecessidade de comprovação das despesas de funeral para a obtenção do ressarcimento dos causadores do sinistro, em face da certeza do fato, da modicidade da verba quando dentro dos parâmetros previstos pela Previdência Social e da imperiosidade de se dar proteção e respeito à dignidade humana. Precedentes do STJ. IV. Os honorários advocatícios não incidem sobre o capital constituído para pagamento das prestações vincendas. V. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, 4ª Turma, Resp 625161, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU 17/12/2007) 2.2.2.2. Indenização por dano moral Além do pensionamento mensal, que servirá para reparar os danos materiais causados aos dois primeiros autores, cabe fixar, para todos os três autores, a respectiva indenização pelos danos morais, provenientes da morte de Marino Finetti Neto. É evidente que a morte de Marino Finetti Neto representou profundo abalo moral para os três autores. Para Marino Raphael, a perda do pai, que sequer teve a oportunidade de conhecer, o que representará uma ausência inestimável para o resto de sua vida. Para Camila, a perda do companheiro, no momento em que mais dele precisava, pois se encontrava grávida do primeiro filho do casal. Para Maura, a perda do filho, com apenas 26 anos de idade. E tais perdas, sabe-se, jamais serão reparadas. Não tenho poderes para reparar a dor da perda de um ente querido. A Justiça que posso entregar é paliativa, um bálsamo apenas para amenizar as chagas do passado. Lamentavelmente, não é a primeira vez que tenho que condenar a Universidade Federal do Paraná, por atos imperitos ou negligentes de alguns médicos do Hospital de Clínicas. Sei da respeitabilidade que goza o HC perante a comunidade, mas também sei que essa mesma comunidade, que confia no HC, tem padecido com casos de erros médicos, que poderiam ser evitados com um pouco mais de cuidado no trato da vida humana. Por tais razões, compreendo que a indenização que fixarei terá um duplo aspecto: servirá de compensação, por todo o sofrimento que os autores passaram, sem que isso implique em enriquecimento exorbitante; servirá de intimidação, para que o HC/UFPR reveja seus procedimentos e melhor preste seus serviços de saúde, sem causar danos àqueles que dele necessitem, a menos que queira continuar a perder recursos por conta das indenizações. Bem ponderados os fatos desta causa, percebo como razoável e compatível com a jurisprudência, deferir o pleito dos autores, no sentido de fixar as indenizações por danos morais em 500 salários-mínimos, para cada autor (f. 32), o que, na data desta sentença, representa R$ 232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil quinhentos reais) para cada qual. Note-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera tal valor como razoável para casos em que ocorre o evento morte: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. CONDUTA IMPUTADA A AGENTE PÚBLICO. RELAÇÃO ENTRE A FUNÇÃO PÚBLICA EXERCIDA PELO AGENTE E O FATO GERADOR DO DANO. FATO DE TERCEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA. EXPOSIÇÃO DE TERCEIROS A RISCOS CRIADOS POR AÇÃO ESTATAL. VEÍCULO OFICIAL. USO POR AGENTE PÚBLICO PARA FINS PARTICULARES. ACIDENTE. MORTE DOS PAIS DA RECORRIDA. DANOS MATERIAIS. MATÉRIA DE PROVA. DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. CRITÉRIO DA EXORBITÂNCIA OU IRRISORIEDADE DO VALOR. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. DATA DO ARBITRAMENTO. OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO INEXISTENTES. CONTINÊNCIA E SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS PREQUESTIONADORES. MULTA AFASTADA. 1. Ação de indenização movida por menor que teve seus pais vitimados fatalmente em acidente de trânsito provocado por carro oficial, conduzido por servidor que dele se utilizava para serviços particulares, com autorização da Instituição na qual servia. 2. Inocorre negativa ou deficiência na prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem julga integralmente as questões que integram a controvérsia, enfrentando os temas relevantes e imprescindíveis à sua resolução, mesmo que não responda, exaustiva e individualmente, a todos os argumentos exarados pelas partes, principalmente se resultam incompatíveis com os fundamentos da decisão combatida. 3. Cabe à parte recorrente o duplo ônus de: a) indicar o ponto sobre o qual se deu o alegado vício no julgamento da causa pelo Acórdão recorrido; e b) demonstrar sua relevância para o resultado do recurso impugnado, sob pena de atrair a aplicação da Súmula 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". 4. Configura-se a litispendência quando há repetição de ação, pressupondo identidade de partes, da causa de pedir e do pedido. Já a continência ocorre quando, proposta mais de uma ação, todas tomarem por base os mesmos pressupostos na formulação dos pedidos (idêntica causa de pedir e mesmas partes), variando apenas a extensão do objeto de cada uma das ações, sendo um deles mais amplo (= causa continente) e, por isso, englobando o outro(= causa contida), exatamente a hipótese dos autos. 5. Não configura aditamento ao pedido, sem o consentimento do réu, quando proposta uma segunda ação, cujo objeto contém o da primeira (situação própria de continência). Prorrogação da competência, reunido os processos no mesmo juízo, o que propicia decisão simultânea, cumprindo-se, assim, o objetivo de evitar decisões judiciais contraditórias ou o locupletamento da parte vencedora em detrimento da parte vencida. 6. No ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade do Poder Público é objetiva, adotando-se a teoria do risco administrativo, fundada na idéia de solidariedade social, na justa repartição dos ônus decorrentes da prestação dos serviços públicos, exigindo-se a presença dos seguintes requisitos: dano, conduta administrativa, e nexo causal. Admite-se abrandamento ou mesmo exclusão da responsabilidade objetiva, se coexistirem atenuantes ou excludentes, que atuem sobre o nexo de causalidade. 7. A condição de agente público, quando contribui de modo determinante para a conduta lesiva, é causa para responsabilização estatal, dispensável sejam os danos decorrentes unicamente do exercício da atividade funcional. Basta que haja uma relação entre a função pública do agente e o fato gerador do dano, o que leva à imputação direta dos atos dos agentes ao Poder Público que lhe deu o status ou os instrumentos que lhe permitiram agir e, a partir daí, causar os prejuízos cobrados. 8. O fato de terceiro, como razão para o estancamento do nexo de causalidade, exige que não se trate nem da vítima, nem do causador do dano. Não é terceiro o agente público que tem a posse de veículo, por autorização do órgão com o qual mantém vínculo funcional, independentemente da natureza do uso que venha a fazer do automóvel. 9. A administração, ao autorizar a posse de veículo oficial por agente seu, sabendo que o uso seria para fins particulares, responde pelos danos que decorram de acidente. A condição de agente público, neste caso, é razão decisiva para a realização do dano, mesmo que, ao agir como agiu, o agente não esteja no exercício de suas atribuições. 10. Ademais, até se in casu o paradigma fosse o da responsabilidade subjetiva, ainda assim o Estado não se isentaria da obrigação ressarcitória, conquanto somente a Administração dispunha do poder para autorizar ou não o uso do veículo, assumindo, por conta disso, o risco de, ao fazê-lo, responder por culpa in eligendo. 11. Na fixação do valor devido a título de danos materiais, na modalidade de pensão mensal, a Corte de origem aferiu dados da condição econômica das vítimas, e outros elementos integrantes do conjunto fático-probatório dos autos. Inexistindo vício nos critérios jurídicos utilizados para se chegar ao quantum debeatur, eventual questionamento dos elementos de fato integrantes da decisão (existência do dano material e sua extensão) equivale a reexaminar provas da causa, exercício vedado em sede de Recurso Especial, conforme a Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 12. A indenização por dano moral não é um preço pelo padecimento da vítima ou de seu familiar, mas sim uma compensação parcial pela dor injusta, que lhe foi provocada, mecanismo que visa a minorar seu sofrimento, diante do drama psicológico de perda a qual foi submetida. 13. No dano moral por morte, a dor dos pais e filhos é presumida, sendo desnecessária fundamentação extensiva a respeito, cabendo ao réu fazer prova em sentido contrário, como na hipótese de distanciamento afetivo ou inimizade entre o falecido e aquele que postula indenização. 14. O montante indenizatório dos danos morais fixado pelas instâncias ordinárias está sujeito a excepcional controle pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se revelar exorbitante ou irrisório. Precedentes. 15. Em entendimento conciliatório e de forma a refletir a jurisprudência firmada nesta Corte, o patamar indenizatório fixado pelas Instâncias Ordinárias, na espécie, merece ser reduzido para 600 (seiscentos) salários-mínimos, equivalentes a R$ 228.000,00 (duzentos e vinte e oito mil reais). 16. Ressalva do ponto de vista do Relator para quem, considerando a situação específica dos autos, está caracterizada a especial gravidade das conseqüências causadas em uma criança de tenra idade(3 anos), que se viu injustamente privada de crescer ao lado da companhia, cuidados, carinho e orientações de ambos os pais, de modo que se apresenta adequado e razoável o patamar indenizatório fixado pelo Juízo Sentenciante e mantido pelo Tribunal local (2.000 (dois mil) salários-mínimos), não havendo exorbitância apta a justificar a intervenção deste Superior, já que a família é a "base da sociedade" e deve merecer especial proteção do Estado (art. 226, "caput", da Constituição Federal). 17. O termo inicial de incidência da correção monetária da indenização por danos morais é a data em que foi arbitrado o seu valor. Precedentes das Terceira e Quarta Turmas. 18. Não importa sucumbência recíproca o decaimento de parte mínima, inexpressiva diante dos demais pedidos julgados procedentes. 19. Súmula 98/STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório". 20. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido. (STJ, 2ª Turma, Resp 866450, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE 7/3/2008, com negritos acrescentados) Esse dinheiro permitirá que cada um dos autores tenha uma vida mais confortável e digna. Um pouco de alegria para compensar uma grande perda. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, rejeito as preliminares e julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo o mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, para o fim de condenar a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ao pagamento de (1) R$ 232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil quinhentos reais), a cada um dos autores, a título de indenização por danos morais, valor que será corrigido monetariamente, pelo INPC, desde a data da publicação desta sentença (súmula 362 do STJ), e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 do CC), desde a data do óbito (07/03/2003), na forma da súmula 54 do STJ; (2) pensão mensal, a título de reparação de danos materiais, ao autor MARINO RAPHAEL CECCON DA SILVA FINETTI, no valor de um salário-mínimo, desde a data do óbito (07/03/2003), até completar 25 anos, ou seja, até a data de 07/06/2028; (3) pensão mensal, a título de reparação de danos materiais, à autora CAMILA RAFAELA CECCON DA SILVA, no valor de um salário-mínimo, desde a data do óbito (07/03/2003), até a data em que seu falecido companheiro completaria 65 anos de idade, ou seja, até a data de 14/08/2041, a não ser que, antes disso, a autora contraia núpcias ou passe a viver em união estável com outra pessoa. Fica reconhecido, quanto à pensão mensal, o direito de acrescer, conforme fundamentação. As prestações vencidas da pensão mensal (um salário-mínimo, valor da época das respectivas competências, para cada autor beneficiado), desde a data do óbito, devida aos dois primeiros autores, serão corrigidas, pelo INPC, desde a data do vencimento de cada parcela, e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês (cf. art. 406 do Código Civil), desde a data do óbito, conforme súmula 54 do STJ. As prestações vincendas da pensão mensal serão reajustadas de acordo com a variação do salário-mínimo. Nos termos do art. 462 do CPC, declaro que a pensão por morte deferida por esta sentença é cumulável com eventual pensão previdenciária do INSS. Sem custas, em função da Justiça Gratuita. Considerando que os autores Marino Raphael e Camila decaíram de parcela mínima do pedido, condeno a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ a pagar os honorários advocatícios desses autores, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação por dano moral de cada qual, conforme art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. Esse percentual, pela expressividade do valor da condenação final, é suficiente para bem remunerar o trabalho dos advogados dos autores, durante todos os anos de tramitação processual, sem comprometer, em demasia, os cofres da autarquia educacional. Como Maura Rodrigues Finetti ganhou a indenização por dano moral, condeno a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ a pagar os honorários advocatícios dessa autora, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação por dano moral, pelas mesmas razões acima; mas como perdeu a indenização por dano material, reduzo esse percentual de honorários para 5% (cinco por cento) do valor da condenação por dano moral. Condeno, ainda, a UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ a ressarcir a Justiça Federal do valor total despendido com o pagamento de honorários periciais (f. 377), mediante expedição da correspondente requisição de pagamento, na forma da legislação vigente. Oficie-se ao Sr. Reitor da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, remetendo-lhe cópia da presente sentença, nos termos do art. 143 e seguintes da Lei 8.112/1990, para a abertura do respectivo processo disciplinar contra os médicos envolvidos na morte de Marino Finetti Neto. Oficie-se ao CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA (CRM-PR), remetendo-lhe cópia dos autos, para as providências cabíveis contra os médicos envolvidos na morte de Marino Finetti Neto. Oficie-se ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, remetendo-lhe cópia dos autos, para as providências cabíveis contra os médicos envolvidos na morte de Marino Finetti Neto. Sentença sujeita a reexame necessário. Sentença publicada em audiência. Registre-se. Partes intimadas em audiência. Intime-se o Ministério Público Federal. Curitiba, 28 de abril de 2009. Vicente de Paula Ataide Junior Juiz Federal Substituto