Autos nº 038.08.036082-0 Vistos etc. MICHEL KURSANCEW, brasileiro, solteiro, advogado, residente e domiciliado na rua Fernando Machado, nº 77, apto. 504, bairro América, em Joinville - SC, propôs esta AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS contra TAM - LINHAS AÉREAS S/A, pessoa jurídica de direito privado, com filial na rua XV de Novembro, nº 1.668, bairro América, em Joinville, afirmando que comprou passagens de ida e volta para São Paulo, com saída de Joinville, para assistir o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, a realizar-se entre 19 e 21 de outubro de 2007. Como precisava estar de volta a Joinville na manhã do dia 22.10.2007 por força de compromissos profissionais antecipadamente agendados, na tarde de domingo (21.10), logo após o término da corrida de Fórmula 1, dirigiu-se ao aeroporto de Congonhas - SP, onde deparou-se com longas filas para fazer o check in, atrasos e até cancelamentos de voos. Em meio a pessoas tantas cansadas e deitadas no saguão aguardando seus voos, enfim conseguiu, por volta das 18:30 horas, fazer o check in do voo JJ3037, com destino a Joinville, com horário de saída previsto para às 21:25 horas. Acontece que, após algum tempo, os monitores passaram a acusar atraso no horário de previsão de decolagem da aeronave. Indagados a respeito disso, os funcionários da ré nada sabiam lhe informar. Próximo do horário de encerramento das atividades do aeroporto (por volta das 23:00 horas), foi comunicado por um dos funcionários da acionada de que a aeronave já se encontrava em solo e que, logo após a autorização para estacionar, dar-se-ia o procedimento de embarque de passageiros. Transcorrido mais algum tempo, para a surpresa de todos que se encontravam aguardando o momento do embarque, sobreveio a notícia de que o voo havia sido cancelado. Como nenhum esclarecimento foi prestado aos usuários, houve um tumulto geral. Porque precisava voltar a Joinville, correu para o balcão da companhia aérea para remarcar o voo. Foi quando tomou conhecimento de que todos os voos do dia seguinte com destino à Manchester Catarinense estavam lotados. Assinalou que nenhum tipo de assistência lhe foi prestado, tampouco a qualquer dos outros passageiros que estavam à sua volta, também clientes da ré. Após pernoitar no saguão do aeroporto e atormentado pela incerteza de conseguir cumprir os compromissos que havia agendado, viu-se na contingência de adquirir uma passagem aérea de outra companhia, porém para desembarque em Curitiba. Por causa do estresse gerado pelo descaso da ré, que, além de não lhe prestar qualquer assistência material, sequer lhe restituiu o que gastou com a aquisição da passagem que não utilizou, requereu a condenação da acionada a indenizar-lhe os danos materiais, consistentes no ressarcimento do que despendeu com a aquisição da passagem aérea, bem como os danos morais, estes em valor não inferior ao correspondente a 39 salários mínimos. Também requereu a inversão do ônus da prova. Em sua resposta, a ré afirmou que o voo referido pelo autor foi cancelado por circunstâncias alheias à sua vontade, fruto de momentâneas condições metereológicas adversas, que inviabilizavam a decolagem de aviões naquele aeroporto. Por isso, compreende que não pode ser responsabilizada por algo que refoge completamente ao seu controle. Negou ter deixado de amparar o autor, que, por lhe ser mais conveniente, optou por adquirir outra passagem junto a outra companhia aérea. Salientando que o instituto da indenização do dano moral não deve ser banalizado, terminou clamando pela declaração de improcedência do pleito veiculado na inicial. Noutra manifestação, o autor registrou que, no momento em que deveria ter ocorrido o embarque no aeroporto, o tempo estava bom e que a ré, sem produzir prova alguma do que afirma, tenta alterar a verdade dos fatos para confundir o Juízo, em prática que caracteriza litigância de má-fé. É o breve relato os fatos. D E C I D O. "'Não há cerceamento de defesa se a matéria pode ser decidida independentemente de produção de outras provas, além das já constantes no processo" (TJSC - Apelação Cível nº 96.004985-1, de São Francisco do Sul, rel. Des. AMARAL E SILVA, publ. no DJSC nº 9.566, de 17.09.96, pág. 49). É que "a lei processual confere ao juiz poderes administrativos e jurisdicionais. Nestes, alguns são discricionários. O art. 330, I, do CPC, confere poder ao juiz para dispensar a prova oral, quando a matéria posta em juízo é exclusivamente de direito. É poder jurisdicional discricionário que legitima o ato judicial. O julgamento antecipado da lide, quando a matéria é exclusivamente de direito, não gera cerceamento de defesa" (TAMG - Ap. nº 1.0024.03.151413-6/001, Segunda Câmara, rel. Des. CAETANO LEVI LOPES, publ. no DOMG de 18.03.2005 apud AC nº 2005.023878-3, de Joinville, rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, julgada em 29.09.2005). É fato incontroverso de que o autor, munido da passagem aérea que previamente havia adquirido da ré, compareceu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na data e horário para o embarque, cujo voo, entretanto, acabou sendo cancelado horas depois. Segundo a prestadora do serviço de transporte aéreo, o voo não saiu em decorrência da momentânea adversidade das condições metereológicas, cuja alegação é veementemente negada pelo autor. Pois bem, inclusive pela inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) e até por força da responsabilidade objetiva ("o Código de Defesa do Consumidor incide nas relações travadas entre passageiros e empresas de transporte aéreo, tornando objetiva a responsabilidade civil" - TJSC - Apelação Cível nº 2004.031342-8, de Turvo, relª. Desª. MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, j. em 05.06.2007), mesmo que a ré tivesse conseguido provar que o voo não decolou por causa de condições climáticas adversas, que, aliás, não se alçariam à condição de excludente de causalidade porque representariam caso fortuito interno, inerente à atividade desenvolvida pela ré e perfeitamente previsível nesse meio, obviamente ela não estaria isenta de restituir o que o usuário pagou pela passagem aérea. Segundo o disposto no artigo 20, § 1º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor do serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo, podendo o consumidor exigir "a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos". Não se sabe quanto o autor despendeu quando comprou da ré a passagem aérea, mas é certo que ele gastou R$ 268,62 da concorrente Varig S/A (dcto. fls. 12), cujo valor deve ser recomposto pela ré, exatamente porque ela descumpriu a sua parte no contrato (CC, art. 737). O cancelamento do voo por circunstâncias que refogem à previsibilidade não deve render ensejo à indenização por danos morais, até porque a segurança dos passageiros, é óbvio, está acima de tudo. Contudo, no caso, o pleito vem calcado também no descaso da prestadora do serviço em oferecer algum conforto ao consumidor extenuado pela prolongada espera de um embarque que não aconteceu. Isto porque, encerradas as autorizações de decolagem ao término das operações do aeroporto, cabia à prestadora do serviço patrocinar acomodações e alimentação ao passageiro não embarcado como forma de amenizar o desconforto já suportado por ele e, estando com seus próximos voos lotados, inclusive conseguir acomodá-lo numa aeronave de outra empresa aérea. Pelo visto, nem votos de boa noite o autor recebeu dos funcionários da ré. Premido pelas circunstâncias e pelo receio de que não estaria de volta a Joinville na manhã de segunda-feira, o usuário, desprezado pela requerida, acabou dormindo no próprio saguão do aeroporto, numa condição de quase indigência, até que, na manhã seguinte, enfim, conseguiu embarcar num voo de uma empresa aérea concorrente até Curitiba, que, entretanto, dista aproximadamente 120 quilômetros de Joinville. Neste contexto, justifica-se a reclamada indenização por danos morais, não só para compensar o desconforto físico e o estresse causado ao usuário mas também para punir a indiferença da prestadora do serviço de transporte aéreo de passageiros, instando-a a repensar a sua relação com aqueles que nela depositam sua confiança ao adquirirem passagens dos seus voos. Essa linha de pensamento encontra o respaldo da jurisprudência, consoante se infere dos seguintes julgados: "'A ré não comprovou a adversidade climática que, supostamente, causou o cancelamento do voo do contratado pelo autor. Inobstante houvesse comprovado, continuaria responsável pelo dano moral na medida em que não providenciou nenhuma assistência ao autor, sobretudo alimentação e acomodação. Essa desassistência causa angústia e desconforto, atingindo a personalidade do consumidor e justificando a devida reparação que, no caso, foi adequadamente arbitrada quanto ao seu valor" (TJRS - Recurso Inominado nº 71001558873, Segunda Turma Recursal Cível, relatora Juíza MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA, j. em 21.05.2008). E mais: "CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CDC. CANCELAMENTO DO VOO. TRATAMENTO INADEQUADO AOS PASSAGEIROS. DANO MORAL CARACTERIZADO. "Havendo cancelamento de voo, e permanecendo o passageiro sem informações adequadas, bem como sem alimentação e acomodação satisfatória, chegando a adquirir passagem terrestre para o retorno a Porto Alegre, está-se inequivocamente diante de tratamento inadequado ao consumidor, o que configura o abalo moral e a necessidade de reparação pela empresa de transporte aéreo" (TJRS - Recurso Inominado nº 71001634054, Primeira Turma Recursal Cível, rel. Juiz JOÃO PEDRO CAVALLI JUNIOR, j. em 19.06.2008). Veja-se também, da Sexta Turma de Recursos do nosso Estado: "RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VOO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INTEMPÉRIES. CASO FORTUITO. RESPONSABILIDADE. CAUSA DE EXCLUSÃO. "Pelas características do transporte aéreo, particularmente o de passageiros, o qual envolve regras rígidas de segurança da aeronave, condições climáticas e dos aeroportos, dependente de toda uma logística e uma infra-estrutura própria, passível a ocorrência de atrasos nos horários dos voos razão pela qual o caso fortuito elide a responsabilidade do prestador de serviços. "VOO. CANCELAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. TRATAMENTO CONVENCIONADO. PASSAGEIRO. ATENDIMENTO DEFICIENTE E INADEQUADO. ADIAMENTO. PRAZO SUPERIOR A 48 H. ABUSIVIDADE.DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. "Embora excluída a responsabilidade da companhia aérea em face da excludente de causalidade, responde pelo tratamento inadequado na assistência aos passageiros os quais não tiveram à disposição alimentação nem acomodação, violando a Convenção de Varsóvia. Aliás, já se decidiu que: 'Ainda que justificável e, daí, isenta do dever de indenizar, por atrasos decorrentes de mau tempo ou problemas na malha aérea nacional, o atendimento e a assistência ineficiente por parte da companhia aérea, por si só, sustentam o decreto condenatório por perdas e danos morais, agravando-se pela abusividade nas remarcações e atrasos sucessivos, sem qualquer plausibilidade para tal.' (RI N.º 2008.600931-4, de Fraiburgo [1ª Vara])" (Recurso Inominado nº 2008.601119-9, de Rio do Sul, rel. Juiz SILVIO DAGOBERTO ORSATTO, publ. no DJE nº 556, de 22.10.2008; idem: Recurso Inominado nº 2008.601117-5, rel. Juiz JAIME MACHADO JUNIOR, j. em 20.10.2008). Atinente à sua quantificação, "considerando-se a natureza compensatória do montante pecuniário em sede de danos morais, a importância estabelecida em decisão judicial há de estar em sintonia com o ilícito praticado, a extensão do dano sofrido pela vítima, grau de culpa e situação financeira de ambas as partes, não podendo servir de enriquecimento sem causa para o ofendido ou de empobrecimento para o ofensor, sem perder de vista os seus escopos de caráter pedagógico, punitivo e inibidor [...]" (TJSC - Apelação Cível nº 2004.013346-4, de Balneário Camboriú, Primeira Câmara de Direito Civil, unânime, rel. Des. Substº. JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, j. em 19.06.2007). Nesta perspectiva, tem-se, de um lado, o autor, que comeu o pão que o diabo amassou ao ver-se obrigado a permanecer, durante horas a fio, num aeroporto, sem receber qualquer assistência por parte da companhia aérea ré, inclusive pernoitando naquele local, na esperança de seguir viagem, logo nos primeiros voos do dia seguinte, para cumprir compromisso profissional previamente acertado. Um total contraste com a descarga de adrenalina que certamente tomou conta do seu corpo enquanto assistia o GP Brasil de Fórmula 1, no qual Kimi Räikkönen (Ferrari) conseguiu subir no posto mais alto do pódio - e, naquela mesma oportunidade, também sagrar-se como campeão mundial de pilotos da temporada 2007 -, e ver no mesmo pódio, ao lado do finlandês, o brasileiro Felipe Massa, integrante da mesma escuderia, que chegou em segundo lugar. De outro lado, tem-se uma companhia aérea com forte atuação no mercado de transporte aéreo de passageiros e que, por isso mesmo, deveria manter logística de atuação capaz de evitar situações como as que experimentou o requerente. Por isso é que a indenização, aqui, deve valorizar a carga pedagógica para, por vias oblíquas, estimular a ré a agir com mais respeito aos seus usuários. Embora isso não exculpe a conduta indiferente da prestadora do serviço que deu as costas ao consumidor prejudicado, não me escapa à percepção de que a aviação civil como um todo, na época em que os fatos aconteceram, não vivia os seus melhores dias, o que, penso, também deve ser sopesado na estimação desta verba indenizatória. Neste contexto, hei por bem estabelecer em R$ 6.000,00 a indenização por danos morais a ser paga ao autor. Com isso estar-se-á proporcionando satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, em contrapartida, na causadora do mal, impacto bastante para repensar o seu comportamento indiferente e suas metas de lucratividade a qualquer preço. De fato, "a indenização por danos morais não deve servir só para anestesiar os efeitos decorrentes do mal causado ao usuário, mas também para incutir no prestador do serviço de transporte aéreo a necessidade de repensar suas metas de lucratividade a qualquer preço" (Segunda Turma de Recursos - Apelação Cível nº 2007.201226-6, de Blumenau, rel. Juiz ROBERTO LEPPER, j. em 18.12.2007). À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por MICHEL KURSANCEW contra TAM - LINHAS AÉREAS S/A, condenando a ré a ressarcir o autor pelos danos materiais que lhe causou (R$ 268,62), cuja importância deverá ser corrigida monetariamente pela variação do INPC/IBGE desde a data do desembolso (22.10.2007 - dcto. fls. 12). Ao montante deverão ser acrescidos juros moratórios desde a citação, porquanto houve o descumprimento de contrato. Condeno a ré também no pagamento de indenização por danos morais, que estabeleço em R$ 6.000,00, corrigido monetariamente desde a data da publicação desta sentença, além de juros moratórios a partir do momento em que ocorreu o ato ilícito (21.10.2007) (STJ - Súmula nº 54; TJSC - Ap. Cível nº 2007.043437-4, de Taió, Primeira Câmara de Direito Civil, un., rel. Des. EDSON UBALDO, julgada em 26.02.2008; Apelação Cível nº 2004.002387-1, de Lages, Primeira Câmara de Direito Civil, un., rel. Des. MOACYR DE MORAES LIMA FILHO, julgada em 11.12.2007, entre outros). Em primeiro grau de jurisdição, incabível é a condenação do vencido a suportar o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº 9.099/95). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Joinville, 25 de março de 2009 ROBERTO LEPPER Juiz de Direito
sábado, 11 de abril de 2009
Tam obrigada a indenizar por voo cancelado
Autos nº 038.08.036082-0 Vistos etc. MICHEL KURSANCEW, brasileiro, solteiro, advogado, residente e domiciliado na rua Fernando Machado, nº 77, apto. 504, bairro América, em Joinville - SC, propôs esta AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS contra TAM - LINHAS AÉREAS S/A, pessoa jurídica de direito privado, com filial na rua XV de Novembro, nº 1.668, bairro América, em Joinville, afirmando que comprou passagens de ida e volta para São Paulo, com saída de Joinville, para assistir o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, a realizar-se entre 19 e 21 de outubro de 2007. Como precisava estar de volta a Joinville na manhã do dia 22.10.2007 por força de compromissos profissionais antecipadamente agendados, na tarde de domingo (21.10), logo após o término da corrida de Fórmula 1, dirigiu-se ao aeroporto de Congonhas - SP, onde deparou-se com longas filas para fazer o check in, atrasos e até cancelamentos de voos. Em meio a pessoas tantas cansadas e deitadas no saguão aguardando seus voos, enfim conseguiu, por volta das 18:30 horas, fazer o check in do voo JJ3037, com destino a Joinville, com horário de saída previsto para às 21:25 horas. Acontece que, após algum tempo, os monitores passaram a acusar atraso no horário de previsão de decolagem da aeronave. Indagados a respeito disso, os funcionários da ré nada sabiam lhe informar. Próximo do horário de encerramento das atividades do aeroporto (por volta das 23:00 horas), foi comunicado por um dos funcionários da acionada de que a aeronave já se encontrava em solo e que, logo após a autorização para estacionar, dar-se-ia o procedimento de embarque de passageiros. Transcorrido mais algum tempo, para a surpresa de todos que se encontravam aguardando o momento do embarque, sobreveio a notícia de que o voo havia sido cancelado. Como nenhum esclarecimento foi prestado aos usuários, houve um tumulto geral. Porque precisava voltar a Joinville, correu para o balcão da companhia aérea para remarcar o voo. Foi quando tomou conhecimento de que todos os voos do dia seguinte com destino à Manchester Catarinense estavam lotados. Assinalou que nenhum tipo de assistência lhe foi prestado, tampouco a qualquer dos outros passageiros que estavam à sua volta, também clientes da ré. Após pernoitar no saguão do aeroporto e atormentado pela incerteza de conseguir cumprir os compromissos que havia agendado, viu-se na contingência de adquirir uma passagem aérea de outra companhia, porém para desembarque em Curitiba. Por causa do estresse gerado pelo descaso da ré, que, além de não lhe prestar qualquer assistência material, sequer lhe restituiu o que gastou com a aquisição da passagem que não utilizou, requereu a condenação da acionada a indenizar-lhe os danos materiais, consistentes no ressarcimento do que despendeu com a aquisição da passagem aérea, bem como os danos morais, estes em valor não inferior ao correspondente a 39 salários mínimos. Também requereu a inversão do ônus da prova. Em sua resposta, a ré afirmou que o voo referido pelo autor foi cancelado por circunstâncias alheias à sua vontade, fruto de momentâneas condições metereológicas adversas, que inviabilizavam a decolagem de aviões naquele aeroporto. Por isso, compreende que não pode ser responsabilizada por algo que refoge completamente ao seu controle. Negou ter deixado de amparar o autor, que, por lhe ser mais conveniente, optou por adquirir outra passagem junto a outra companhia aérea. Salientando que o instituto da indenização do dano moral não deve ser banalizado, terminou clamando pela declaração de improcedência do pleito veiculado na inicial. Noutra manifestação, o autor registrou que, no momento em que deveria ter ocorrido o embarque no aeroporto, o tempo estava bom e que a ré, sem produzir prova alguma do que afirma, tenta alterar a verdade dos fatos para confundir o Juízo, em prática que caracteriza litigância de má-fé. É o breve relato os fatos. D E C I D O. "'Não há cerceamento de defesa se a matéria pode ser decidida independentemente de produção de outras provas, além das já constantes no processo" (TJSC - Apelação Cível nº 96.004985-1, de São Francisco do Sul, rel. Des. AMARAL E SILVA, publ. no DJSC nº 9.566, de 17.09.96, pág. 49). É que "a lei processual confere ao juiz poderes administrativos e jurisdicionais. Nestes, alguns são discricionários. O art. 330, I, do CPC, confere poder ao juiz para dispensar a prova oral, quando a matéria posta em juízo é exclusivamente de direito. É poder jurisdicional discricionário que legitima o ato judicial. O julgamento antecipado da lide, quando a matéria é exclusivamente de direito, não gera cerceamento de defesa" (TAMG - Ap. nº 1.0024.03.151413-6/001, Segunda Câmara, rel. Des. CAETANO LEVI LOPES, publ. no DOMG de 18.03.2005 apud AC nº 2005.023878-3, de Joinville, rel. Des. TRINDADE DOS SANTOS, julgada em 29.09.2005). É fato incontroverso de que o autor, munido da passagem aérea que previamente havia adquirido da ré, compareceu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na data e horário para o embarque, cujo voo, entretanto, acabou sendo cancelado horas depois. Segundo a prestadora do serviço de transporte aéreo, o voo não saiu em decorrência da momentânea adversidade das condições metereológicas, cuja alegação é veementemente negada pelo autor. Pois bem, inclusive pela inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) e até por força da responsabilidade objetiva ("o Código de Defesa do Consumidor incide nas relações travadas entre passageiros e empresas de transporte aéreo, tornando objetiva a responsabilidade civil" - TJSC - Apelação Cível nº 2004.031342-8, de Turvo, relª. Desª. MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, j. em 05.06.2007), mesmo que a ré tivesse conseguido provar que o voo não decolou por causa de condições climáticas adversas, que, aliás, não se alçariam à condição de excludente de causalidade porque representariam caso fortuito interno, inerente à atividade desenvolvida pela ré e perfeitamente previsível nesse meio, obviamente ela não estaria isenta de restituir o que o usuário pagou pela passagem aérea. Segundo o disposto no artigo 20, § 1º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor do serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo, podendo o consumidor exigir "a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos". Não se sabe quanto o autor despendeu quando comprou da ré a passagem aérea, mas é certo que ele gastou R$ 268,62 da concorrente Varig S/A (dcto. fls. 12), cujo valor deve ser recomposto pela ré, exatamente porque ela descumpriu a sua parte no contrato (CC, art. 737). O cancelamento do voo por circunstâncias que refogem à previsibilidade não deve render ensejo à indenização por danos morais, até porque a segurança dos passageiros, é óbvio, está acima de tudo. Contudo, no caso, o pleito vem calcado também no descaso da prestadora do serviço em oferecer algum conforto ao consumidor extenuado pela prolongada espera de um embarque que não aconteceu. Isto porque, encerradas as autorizações de decolagem ao término das operações do aeroporto, cabia à prestadora do serviço patrocinar acomodações e alimentação ao passageiro não embarcado como forma de amenizar o desconforto já suportado por ele e, estando com seus próximos voos lotados, inclusive conseguir acomodá-lo numa aeronave de outra empresa aérea. Pelo visto, nem votos de boa noite o autor recebeu dos funcionários da ré. Premido pelas circunstâncias e pelo receio de que não estaria de volta a Joinville na manhã de segunda-feira, o usuário, desprezado pela requerida, acabou dormindo no próprio saguão do aeroporto, numa condição de quase indigência, até que, na manhã seguinte, enfim, conseguiu embarcar num voo de uma empresa aérea concorrente até Curitiba, que, entretanto, dista aproximadamente 120 quilômetros de Joinville. Neste contexto, justifica-se a reclamada indenização por danos morais, não só para compensar o desconforto físico e o estresse causado ao usuário mas também para punir a indiferença da prestadora do serviço de transporte aéreo de passageiros, instando-a a repensar a sua relação com aqueles que nela depositam sua confiança ao adquirirem passagens dos seus voos. Essa linha de pensamento encontra o respaldo da jurisprudência, consoante se infere dos seguintes julgados: "'A ré não comprovou a adversidade climática que, supostamente, causou o cancelamento do voo do contratado pelo autor. Inobstante houvesse comprovado, continuaria responsável pelo dano moral na medida em que não providenciou nenhuma assistência ao autor, sobretudo alimentação e acomodação. Essa desassistência causa angústia e desconforto, atingindo a personalidade do consumidor e justificando a devida reparação que, no caso, foi adequadamente arbitrada quanto ao seu valor" (TJRS - Recurso Inominado nº 71001558873, Segunda Turma Recursal Cível, relatora Juíza MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA, j. em 21.05.2008). E mais: "CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CDC. CANCELAMENTO DO VOO. TRATAMENTO INADEQUADO AOS PASSAGEIROS. DANO MORAL CARACTERIZADO. "Havendo cancelamento de voo, e permanecendo o passageiro sem informações adequadas, bem como sem alimentação e acomodação satisfatória, chegando a adquirir passagem terrestre para o retorno a Porto Alegre, está-se inequivocamente diante de tratamento inadequado ao consumidor, o que configura o abalo moral e a necessidade de reparação pela empresa de transporte aéreo" (TJRS - Recurso Inominado nº 71001634054, Primeira Turma Recursal Cível, rel. Juiz JOÃO PEDRO CAVALLI JUNIOR, j. em 19.06.2008). Veja-se também, da Sexta Turma de Recursos do nosso Estado: "RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VOO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INTEMPÉRIES. CASO FORTUITO. RESPONSABILIDADE. CAUSA DE EXCLUSÃO. "Pelas características do transporte aéreo, particularmente o de passageiros, o qual envolve regras rígidas de segurança da aeronave, condições climáticas e dos aeroportos, dependente de toda uma logística e uma infra-estrutura própria, passível a ocorrência de atrasos nos horários dos voos razão pela qual o caso fortuito elide a responsabilidade do prestador de serviços. "VOO. CANCELAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. TRATAMENTO CONVENCIONADO. PASSAGEIRO. ATENDIMENTO DEFICIENTE E INADEQUADO. ADIAMENTO. PRAZO SUPERIOR A 48 H. ABUSIVIDADE.DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. "Embora excluída a responsabilidade da companhia aérea em face da excludente de causalidade, responde pelo tratamento inadequado na assistência aos passageiros os quais não tiveram à disposição alimentação nem acomodação, violando a Convenção de Varsóvia. Aliás, já se decidiu que: 'Ainda que justificável e, daí, isenta do dever de indenizar, por atrasos decorrentes de mau tempo ou problemas na malha aérea nacional, o atendimento e a assistência ineficiente por parte da companhia aérea, por si só, sustentam o decreto condenatório por perdas e danos morais, agravando-se pela abusividade nas remarcações e atrasos sucessivos, sem qualquer plausibilidade para tal.' (RI N.º 2008.600931-4, de Fraiburgo [1ª Vara])" (Recurso Inominado nº 2008.601119-9, de Rio do Sul, rel. Juiz SILVIO DAGOBERTO ORSATTO, publ. no DJE nº 556, de 22.10.2008; idem: Recurso Inominado nº 2008.601117-5, rel. Juiz JAIME MACHADO JUNIOR, j. em 20.10.2008). Atinente à sua quantificação, "considerando-se a natureza compensatória do montante pecuniário em sede de danos morais, a importância estabelecida em decisão judicial há de estar em sintonia com o ilícito praticado, a extensão do dano sofrido pela vítima, grau de culpa e situação financeira de ambas as partes, não podendo servir de enriquecimento sem causa para o ofendido ou de empobrecimento para o ofensor, sem perder de vista os seus escopos de caráter pedagógico, punitivo e inibidor [...]" (TJSC - Apelação Cível nº 2004.013346-4, de Balneário Camboriú, Primeira Câmara de Direito Civil, unânime, rel. Des. Substº. JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, j. em 19.06.2007). Nesta perspectiva, tem-se, de um lado, o autor, que comeu o pão que o diabo amassou ao ver-se obrigado a permanecer, durante horas a fio, num aeroporto, sem receber qualquer assistência por parte da companhia aérea ré, inclusive pernoitando naquele local, na esperança de seguir viagem, logo nos primeiros voos do dia seguinte, para cumprir compromisso profissional previamente acertado. Um total contraste com a descarga de adrenalina que certamente tomou conta do seu corpo enquanto assistia o GP Brasil de Fórmula 1, no qual Kimi Räikkönen (Ferrari) conseguiu subir no posto mais alto do pódio - e, naquela mesma oportunidade, também sagrar-se como campeão mundial de pilotos da temporada 2007 -, e ver no mesmo pódio, ao lado do finlandês, o brasileiro Felipe Massa, integrante da mesma escuderia, que chegou em segundo lugar. De outro lado, tem-se uma companhia aérea com forte atuação no mercado de transporte aéreo de passageiros e que, por isso mesmo, deveria manter logística de atuação capaz de evitar situações como as que experimentou o requerente. Por isso é que a indenização, aqui, deve valorizar a carga pedagógica para, por vias oblíquas, estimular a ré a agir com mais respeito aos seus usuários. Embora isso não exculpe a conduta indiferente da prestadora do serviço que deu as costas ao consumidor prejudicado, não me escapa à percepção de que a aviação civil como um todo, na época em que os fatos aconteceram, não vivia os seus melhores dias, o que, penso, também deve ser sopesado na estimação desta verba indenizatória. Neste contexto, hei por bem estabelecer em R$ 6.000,00 a indenização por danos morais a ser paga ao autor. Com isso estar-se-á proporcionando satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, em contrapartida, na causadora do mal, impacto bastante para repensar o seu comportamento indiferente e suas metas de lucratividade a qualquer preço. De fato, "a indenização por danos morais não deve servir só para anestesiar os efeitos decorrentes do mal causado ao usuário, mas também para incutir no prestador do serviço de transporte aéreo a necessidade de repensar suas metas de lucratividade a qualquer preço" (Segunda Turma de Recursos - Apelação Cível nº 2007.201226-6, de Blumenau, rel. Juiz ROBERTO LEPPER, j. em 18.12.2007). À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por MICHEL KURSANCEW contra TAM - LINHAS AÉREAS S/A, condenando a ré a ressarcir o autor pelos danos materiais que lhe causou (R$ 268,62), cuja importância deverá ser corrigida monetariamente pela variação do INPC/IBGE desde a data do desembolso (22.10.2007 - dcto. fls. 12). Ao montante deverão ser acrescidos juros moratórios desde a citação, porquanto houve o descumprimento de contrato. Condeno a ré também no pagamento de indenização por danos morais, que estabeleço em R$ 6.000,00, corrigido monetariamente desde a data da publicação desta sentença, além de juros moratórios a partir do momento em que ocorreu o ato ilícito (21.10.2007) (STJ - Súmula nº 54; TJSC - Ap. Cível nº 2007.043437-4, de Taió, Primeira Câmara de Direito Civil, un., rel. Des. EDSON UBALDO, julgada em 26.02.2008; Apelação Cível nº 2004.002387-1, de Lages, Primeira Câmara de Direito Civil, un., rel. Des. MOACYR DE MORAES LIMA FILHO, julgada em 11.12.2007, entre outros). Em primeiro grau de jurisdição, incabível é a condenação do vencido a suportar o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº 9.099/95). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Joinville, 25 de março de 2009 ROBERTO LEPPER Juiz de Direito
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